De grande importância nutricional e industrial, o amido encontra-se amplamente distribuído em diversas espécies vegetais como carboidrato de reserva, sendo abundante em grãos de cereais, raízes e tubérculos. É utilizado na indústria alimentícia para alterar ou controlar diversas características, como textura, aparência, umidade, consistência e estabilidade no shelf life, entre outras aplicações.
Introdução
O amido está disponível em abundância na natureza, sendo que o único outro componente orgânico que ocorre naturalmente em quantidade maior é a celulose. É encontrado em todas as formas de vegetais de folhas verdes, seja nas suas raízes, caules, sementes ou frutas. O amido serve à planta como alimento, proporcionando-lhe energia em épocas de dormência e germinação, tendo papel semelhante no ser humano, nos animais e, até mesmo, em outros organismos e formas de vida.
O amido é a fonte mais importante de carboidratos na alimentação humana, representando 80% a 90% de todos os polissacarídeos da dieta, e o principal responsável pelas propriedades tecnológicas que caracterizam grande parte dos produtos processados.
Estruturalmente, o amido é um homopolissacarídeo composto por cadeias de amilose e amilopectina. A amilose é formada por unidades de glicose unidas por ligações glicosídicas α(1→4), originando uma cadeia linear. Já a amilopectina é formada por unidades de glicose unidas em α(1→4) e α(1→6), formando uma estrutura ramificada. Embora a amilose seja definida como linear, atualmente se admite que algumas de suas moléculas possuem ramificações, semelhantes à amilopectina. Além disso, a presença de estruturas intermediárias entre amilose e amilopectina foi proposta para alguns amidos, como o de aveia. A Figura 1 abaixo apresenta a estrutura molecular do amido.
FIGURA 1 – ESTRUTURA MOLECULAR DO AMIDO
As proporções em que estas estruturas aparecem diferem entre as diversas fontes, entre variedades de uma mesma espécie e ainda, em uma mesma variedade, de acordo com o grau de maturação da planta. Estas variações podem resultar em grânulos de amido com propriedades físico-químicas e funcionais diferenciadas, o que pode afetar sua utilização em alimentos ou aplicações industriais.
Apresentando somente ligações α-glicosídicas, o amido é potencialmente digerível pelas enzimas amilolíticas secretadas no trato digestivo humano. Até recentemente, devido à alta produção da α-amilase pancreática, se considerava que o amido era completamente hidrolisado por essa enzima, sendo absorvido no intestino delgado na forma de glicose.
Entretanto, certos fatores, tais como relação amilose/amilopectina, forma física do alimento e inibidores enzimáticos, entre outros, podem influenciar a taxa na qual o amido é hidrolisado e absorvido. Assim, quantidade significativa de amido pode escapar à digestão no intestino delgado e alcançar o cólon, onde é fermentado.
Para propósitos nutricionais, o amido pode ser classificado como glicêmico ou resistente. O amido glicêmico é degradado a glicose por enzimas no trato digestivo, podendo ser classificado como amido rapidamente (ARD) ou amido lentamente digerível (ALD) no intestino delgado. Em testes in vitro, o ARD é hidrolisado em glicose dentro de 20 minutos, enquanto o ALD é convertido em glicose entre 20 e 110 minutos. Já o amido resistente é aquele que resiste à digestão no intestino delgado, mas é fermentado no intestino grosso pela microflora bacteriana.
O homem utiliza o amido de muitas outras formas, além de sua finalidade inicial de fonte de energia biológica. Praticamente todos os setores industriais utilizam o amido ou seus derivados.
O amido na indústria alimentícia
Devido ao relativo baixo custo, o amido tem sido muito utilizado pela indústria alimentícia como ingrediente calórico e como melhorador de propriedades físico-químicas. É utilizado para alterar ou controlar diversas características, como textura, aparência, umidade, consistência e estabilidade no armazenamento (shelf life). Pode também ser usado para ligar ou desintegrar; expandir ou adensar; clarear ou tornar opaco; reter a umidade ou inibi-la; produzir textura lisa ou polposa e coberturas leves ou crocantes. Também serve tanto para estabilizar emulsões quanto para formar filmes resistentes ao óleo.
O mercado de amido vem crescendo e se aperfeiçoando nos últimos anos, levando à busca de produtos com características específicas que atendam as exigências industriais. Amidos nativos têm sido usados há muito tempo como ingredientes no preparo de diferentes produtos. Entretanto, a sua utilização é limitada em função das condições de processamento, como temperatura e pH, que restringem sua aplicação em escala industrial.
Diante disso, essas limitações podem ser solucionadas com a modificação química, física ou enzimática do amido. A modificação química dos amidos nativos tem conferido a estes propriedades funcionais peculiares.
O grau de modificação dos amidos é produzido por condições controladas de temperatura e pH e afeta diretamente o seu preço e a sua aplicação.
O emprego industrial do amido se deve à sua característica única de poder ser usado diretamente na forma de grânulos, de grânulos intumescidos, na forma dispersa, como filme obtido da secagem de uma dispersão ou após extrusão, depois da conversão a uma mistura de oligossacarídeos ou a glucose, que pode ser isomerizada enzimaticamente para frutose.
Dependendo do tipo, o amido pode, entre outras funções, facilitar o processamento, servir como espessante em sopas, caldos e molhos de carne, fornecer sólidos em suspensão e textura, ser ligante em embutidos de carne, estabilizante em molhos de salada, ou ainda, proteger os alimentos durante o processamento.
Uma alta viscosidade é desejável para usos industriais, nos quais o objetivo é o poder espessante. Para isso, é necessário o controle da retrogradação no resfriamento. Uma das propriedades mais importantes do amido é a gelatinização, que possibilita absorção, no aquecimento, de até 2,5 mil vezes seu peso em água.
O aquecimento em excesso de água causa o intumescimento irreversível, porém limitado, dos grânulos, os quais se tornam muito sensíveis ao estresse mecânico e térmico ou à acidez do meio. Mas, uma vez resfriado, ou ainda, congelado, os polímeros de amido nativo se reagrupam, liberando água e danificando o gel formado.
As pastas de amidos de milho, trigo ou arroz, que contêm teores relativamente elevados de amilose se tornam opacas e formam géis durante o resfriamento. Pastas obtidas de féculas de batata ou de mandioca, por outro lado, geralmente permanecem mais claras (menos opacas) e, embora ao resfriarem apresentem um determinado aumento de viscosidade, não chegam a formar géis opacos. No caso de pastas de amido de milho ceroso, as mesmas se comportam como as obtidas de féculas, tendo, inclusive, menor tendência à retrogradação. A oxidação pode gerar diferentes produtos dependendo dos agentes modificadores utilizados.
Os amidos podem ser oxidados por diversos agentes, como o hipoclorito de sódio e de cálcio, o persulfato de amônio, o permanganato de potássio, o peróxido de hidrogênio, o ácido peracético, o cloridrato de sódio e os perboratos e ácidos hipoclóricos. A modificação por oxidação é produzida pela reação do amido com quantidade específica de reagente em pH e temperatura controlados.
A produção desses amidos oxidados baseia-se em uma reação com aquecimento de suspensão aquosa de amido em uma solução oxidante. Essa oxidação origina uma pasta branca, fluida e adesiva, que não forma gel rígido após o resfriamento, conservando, portanto, sua fluidez e natureza adesiva. Diante disso, apesar da possibilidade de utilização na indústria de alimentos, esses amidos são utilizados preferencialmente na indústria de papel, pois produzem suspensões que podem ser usadas como dispersantes, capazes de formar filmes uniformes, os quais selam os poros e proporcionam melhor impressão.
Essas propriedades são resultado da reação de oxidação, na qual alguns grupos hidroxila das moléculas de amido são primeiramente oxidados a grupos carbonila e, posteriormente, a grupos carboxila. O número de grupos carbonila e carboxila indicam o grau de oxidação do amido, sendo que esses grupos são originados nas hidroxilas dos carbonos nas posições dois, três e seis. A reação de oxidação do amido é acompanhada de quebra de ligações glicosídicas, com parcial despolimerização do amido.
As possibilidades de aplicações industriais do amido de mandioca são praticamente inesgotáveis, bastando haver adequação ou alteração de suas características físico-químicas às necessidades dos processos e produtos, tais como formação de filmes transparentes ou opacos, elevada ou baixa viscosidade aparente, cremosidade, untuosidade, capacidade de retenção de umidade, entre outras. O maior desafio dos produtores desse ingrediente é o desenvolvimento e principalmente a venda técnica de seus produtos para as indústrias consumidoras.
Desenvolver aplicações para os novos ingredientes, modificados e com propriedades únicas, com baixo custo e excelente performance é um grande desafio para as empresas que produzem amidos de mandioca. Esse desafio precisa ser enfrentado para garantir o sucesso deste importante insumo para as indústrias de diversos ramos, com destaque para a alimentícia, têxtil e de papel e celulose.
A fécula de mandioca, por exemplo, é o principal amido usado na indústria frigorífica. Apresenta maior absorção de água, deixando os produtos mais macios e proporcionando maiores rendimentos e menores custos.
Na indústria de biscoitos, o amido pode ser colocado na matéria-prima para padronizar o teor de glúten da farinha, em proporção de 15% a 20% do peso da farinha de trigo. Esse procedimento não traz problemas de ordem técnica, de alteração de aparência ou de outras características fundamentais dos mesmos. Em geral, os biscoitos feitos com farinhas mistas (amido e trigo) são mais bem aceitos por se tornarem mais agradáveis ao paladar e serem mais leves do que os convencionais.
Na indústria de massas, mais especificamente de macarrão, a utilização de fécula de mandioca na confecção de macarrões tem se mostrado, através de experimentos, muito vantajosa no que diz respeito ao aspecto do produto, diminuição do tempo de cocção e outros. Além dessas vantagens, não exige grandes alterações nos esquemas de produção. Em geral, a substituição da farinha de trigo pela fécula se dá na faixa de 25% a 50%, resultando em maiores rendimentos industriais, em razão da fécula reter mais água e, por isso, manter seu peso, depois de seca, melhor do que o produto tradicional. A massa feita com fécula apresenta coloração mais clara, com aspecto mais próximo ao do macarrão caseiro.
O macarrão com 50% de fécula é mais adequado para sopas, pois apresenta pegajosidade adequada quando cozido, enquanto que com 25% não apresenta grandes diferenças em relação ao padrão. Outra vantagem pode ser ressaltada, pois a fécula apresenta a característica de digestão muito fácil em relação ao macarrão tradicional. As massas com fécula são indicadas para pessoas idosas e crianças. A adição de fécula permite também diminuir o tempo de cozimento, propriedade apreciada na produção de macarrão instantâneo.
Na indústria de sobremesas, o amido nativo é colocado como espessante em mistura com leite, na base de 1% a 2%, dependendo das características do produto e com um máximo possível de 2,5%.
Na indústria de iogurtes, o amido é utilizado com o objetivo de substituir a gelatina para obtenção de um produto final cremoso.
Apenas alguns snacks utilizam amido nativo nas suas composições, principalmente os elaborados com amendoim (amendoim japonês, ovinhos de amendoim, etc.). Para esses produtos se usa apenas a fécula de mandioca, em proporção de 20% a 35% como base para fritura.
O amido entra na produção de wafers para diminuir a força do glúten, com taxas de incorporação de 0,5% do peso total do produto final.
Em balas e caramelos, os amidos nativos em pó são usados nos moldes. O amido, com 5% a 10% de umidade é usado para absorver a umidade dos moldes.
Nas sopas, a fécula de mandioca, muitas vezes, é usada como base para produção de amidos esterilizáveis, que entram na produção de sopas em conservas ou de outros tipos de conservas.
As pastas de amido servem também de estabilizador de emulsão em molhos de salada. Como esses molhos são de pH baixo, o amido deve ser capaz de resistir em elevada acidez. Deve também resistir a ações mecânicas durante a homogeneização do molho.
O amido também é usado como ligante em emulsões de carne, tais como salsichas e linguiças, para unir a carne com a água e a matéria graxa.
Além dos amidos nativos, cada vez mais as indústrias de alimentos usam amidos modificados. Entre outras aplicações, estes podem ser utilizados para dar corpo aos sorvetes e como estabilizante. Para as sobremesas e pudins instantâneos, derivados de mandioca estão entre os mais utilizados por não apresentarem o gosto típico dos amidos de cereais. Já os amidos com ligações cruzadas, estabilizadas ou não, são usados como espessantes em recheios de tortas, cremes para recheios ou coberturas, frutos usados em recheios, etc.
Além de amidos nativos, as formulações de macarrão instantâneo podem incorporar amidos pré gelatinizados.
Para balas e caramelos, o amido fornece a textura e controla o tempo de preparo das balas gelatinosas. O amido de mandioca está entre os amidos geralmente utilizados por conter alto teor de amilose, que contribui para reduzir o tempo de preparo e aumentar a firmeza da bala. Amidos de baixa viscosidade, como o obtido da raiz de mandioca funcionam como agentes ligantes em gomas de mascar. A indústria de balas usa grande quantidade de amidos ácido-modificados na produção de sobremesas de gelatina.
Os amidos pré-gelatinizados são utilizados como espessantes em sopas instantâneas e em caldo de carne desidratado e outros molhos prontos. As indústrias alimentícias também utilizam amidos pré-gelatinizados na produção de massas, condimentos, etc.
Os diferentes tipos
O mercado conhece três tipos de amidos: o resistente, o modificado e o pré-gelificado.
Amido resistente. O termo amido resistente foi sugerido inicialmente em 1982, quando pesquisadores constataram que muitos alimentos processados continham maior teor aparente de polissacarídeos não amiláceos do que os produtos crus correspondentes. Análises detalhadas revelaram que este aumento era devido a um composto formado por n-glicoses, que podia ser disperso em hidróxido de potássio. Assim, definiram o amido resistente como sendo aquele que resiste à dispersão em água fervente e hidrólise pela ação da amilase pancreática e da pululanase. Esta fração era constituída principalmente de amilose retrogradada, que também parecia ser altamente resistente à digestão. A partir de 1992, a definição para amido resistente assumiu um caráter mais relacionado aos seus efeitos biológicos, representando “a soma do amido e produtos de sua degradação que não são absorvidos no intestino delgado de indivíduos saudáveis. Pode-se dizer, então, que o amido resistente é a fração que não fornecerá glicose ao organismo, mas que será fermentada no intestino grosso para produzir gases e ácidos graxos de cadeia curta, principalmente. Devido a esta característica, considera-se que os efeitos do amido resistente sejam, em alguns casos, comparáveis aos da fibra alimentar e, por este motivo, normalmente é considerado como um componente desta.
O amido resistente pode ser classificado em amido fisicamente inacessível (AR1), grânulos de amido resistente (AR2) e amido retrogradado (AR3), considerando sua resistência à digestão.
A forma física do alimento pode impedir o acesso da amilase pancreática e diminuir a digestão do amido, fato que o caracteriza como resistente tipo AR1 (fisicamente inacessível). Isso pode ocorrer se o amido estiver contido em uma estrutura inteira ou parcialmente rompida da planta, como nos grãos; se as paredes celulares rígidas inibirem o seu intumescimento e dispersão, como nos legumes; ou por sua estrutura densamente empacotada, como no macarrão tipo espaguete.
Na planta, o amido é armazenado como corpos intracelulares parcialmente cristalinos denominados grânulos. Por meio de difração de raios-x, podem-se distinguir três tipos de grânulos que, dependendo de sua forma e estrutura cristalina, denominam-se A, B e C. As cadeias externas relativamente curtas das moléculas de amilopectina de cereais (menos de 20 unidades de glicose) favorecem a formação de polimorfos cristalinos tipo A. Já as cadeias externas maiores das moléculas de amilopectina de tubérculos (mais de 22 unidades de glicose) favorecem a formação de polimorfos tipo B, encontrados também na banana, em amidos retrogradados e em amidos ricos em amilose. Embora com estrutura helicoidal essencialmente idêntica, o polimorfo tipo A apresenta empacotamento mais compacto do que o tipo B, o qual apresenta estrutura mais aberta e centro hidratado. Por sua vez, o polimorfo tipo C é considerado um intermediário entre os tipos A e B, sendo característico de amido de legumes e sementes. A forma do grânulo influencia sua digestão, caracterizando o amido resistente tipo AR2. Embora o grau de resistência dependa da fonte, geralmente grânulos dos tipos B e C tendem a ser mais resistentes à digestão enzimática.
A maioria dos amidos ingeridos pelo homem é submetida a tratamentos com calor e umidade, resultando no rompimento e gelatinização da estrutura do grânulo nativo, o que o torna digerível. Quando o gel esfria e envelhece, o amido gelatinizado forma novamente uma estrutura parcialmente cristalina, insolúvel e resistente à digestão enzimática, porém diferente da conformação inicial. Este processo é conhecido como retrogradação, caracterizando o amido resistente tipo AR3. A retrogradação da amilose, à temperatura ambiente, é um processo rápido (poucas horas), originando uma forma de amido altamente resistente à redispersão em água fervente e à hidrólise pela amilase pancreática. Já a retrogradação da amilopectina é um processo mais lento (dias a semanas) e dependente da concentração da amostra, sendo que, em excesso de água, ela pode ser revertida por aquecimento a 70ºC. Vários estudos têm demonstrado relação direta entre o conteúdo de amilose e a formação de amido resistente, o que não ocorre com a amilopectina.
A digestibilidade do amido também pode ser afetada por fatores intrínsecos, como a presença de complexos amido-lipídio e amido-proteína, de inibidores da α-amilase e de polissacarídeos não amiláceos; bem como por fatores extrínsecos, como tempo de mastigação (determina a acessibilidade física do amido contido em estruturas rígidas), tempo de trânsito do alimento da boca até o íleo terminal, concentração de amilase no intestino, quantidade de amido presente no alimento e a presença de outros componentes que podem retardar a hidrólise enzimática.
Nesse contexto, é possível constatar que alimentos crus e processados contêm apreciáveis quantidades de amido resistente, dependendo da fonte botânica e do tipo de processamento, como moagem, cozimento e resfriamento. Embora os três tipos ocorram naturalmente na dieta humana, podendo coexistir em um mesmo alimento, o AR3 é o mais comum e, do ponto de vista tecnológico, o mais importante, já que sua formação é resultante do processamento do alimento. O conteúdo de amilose, a temperatura, a forma física, o grau de gelatinização, o resfriamento e a armazenagem, afetam o conteúdo de AR3. Estes indicativos servem como base para explicar porque, ao contrário da fibra alimentar, as quantidades de amido resistente nos alimentos podem ser manipuladas de forma relativamente simples pelas técnicas de processamento, influenciando a taxa e extensão esperada da digestão do amido no intestino delgado humano. Esta forma de manipulação poderia ser utilizada de forma benéfica tanto para o consumidor, na manutenção da boa saúde, como para a indústria alimentícia, que teria uma fonte de “fibra” que não causaria alterações organolépticas tão pronunciadas quanto as fontes tradicionalmente usadas nos produtos, como os farelos.
O amido modificado. Na forma não modificada, os amidos têm uso limitado na indústria alimentícia. O amido de milho ceroso é um bom exemplo. Os grânulos não modificados hidratam facilmente, intumescem rapidamente, rompem-se, perdem viscosidade e produzem uma pasta pouco espessa, bastante elástica e coesiva.
Modifica-se o amido para incrementar ou inibir suas características originais e adequá-lo as aplicações específicas, tais como promover espessamento, melhorar retenção, aumentar estabilidade, melhorar sensação ao paladar e brilho, gelificar, dispersar ou conferir opacidade.
Os amidos nativos são perfeitamente adaptados aos produtos feitos na hora, preparados sem muita preocupação com conservação. Suportam mal as imposições tecnológicas de determinados processos industriais que incluem exposição a amplas faixas de temperaturas, pH e cisalhamento. Possuem muitas características que os tornam pouco práticos para trabalhar. Um bom exemplo é a própria maizena, um excelente produto, porém com pouca habilidade para estabilizar um prato, a não ser os preparados para consumo imediato. A viscosidade final dos amidos nativos é extremamente difícil de controlar a nível industrial, porque a temperatura não pode ser ajustada com a velocidade suficiente para evitar problema de insuficiência ou excesso de cozimento.
Assim, desenvolveu-se uma linha de amidos modificados. Na Europa, os amidos modificados são regulamentados pela Diretriz 95/2, e são autorizados quantum satis; na média, são dosados a 5%. Aos 10 amidos originalmente previstos por essa norma do Mercado Comum foi adicionado mais um em 1998, o amido oxidado acetilado.
Os fabricantes de amidos usam vários métodos químicos e físicos para efetuar a modificação dos amidos. As principais técnicas químicas são o cross-linking, ou ligação cruzada (ainda chamada de reticulação), a substituição, também conhecida como estabilização e, finalmente, a conversão.
As modificações físicas são, basicamente, a pré-gelatinização e o tratamento com calor. As reações de ligação cruzada têm por finalidade o controle da textura, além de conferir tolerância ao aquecimento, acidez e agitação mecânica. Como resultado consegue-se um melhor controle e maior flexibilidade em trabalhar formulações, processos e, ainda, prolongar a vida útil do produto. As ligações cruzadas nos amidos podem ser consideradas como “pontos de solda” no grânulo em posições aleatórias, reforçando pontes de hidrogênio e inibindo o intumescimento do grânulo. Há um aumento do grau de polimerização. Os agentes mais frequentemente usados são o fosfato e o ácido adípico.
O tratamento de ligações cruzadas fortalece os amidos de milho ceroso, relativamente frágeis, de modo que suas pastas cozidas são mais viscosas e mais encorpadas, com menor tendência à degradação quando submetidas a maiores períodos de cozimento, maior acidez ou severa agitação.
A mudança nas características de gelatinização é mais visível quando se compara as curvas Brabender de amido de milho ceroso não modificado com outro levemente modificado. Uma leve modificação reduz drasticamente a queda da viscosidade. Com um moderado nível de tratamento, o intumescimento do grânulo fica restrito a um ponto onde o pico de viscosidade nunca é atingido durante o período em que a temperatura se mantém estável.
Quando a reação de ligação cruzada progride, o pico de viscosidade primeiro aumenta e depois cai a valores muito baixos, pois o intumescimento dos grânulos de amido se torna progressivamente mais inibido. Ao mesmo tempo a textura torna-se mais “curta” e a opacidade aumenta.
Quanto maior o nível de ligações cruzadas, mais tolerante o amido se torna à acidez e menos propenso à perda de viscosidade. Isto não quer dizer que o amido de maior nível de ligações cruzadas irá proporcionar a melhor viscosidade em sistemas de baixo pH. Deve-se lembrar que as ligações cruzadas inibem o intumescimento do grânulo, ao passo que a alta temperatura, prolongados períodos de aquecimento, alta concentração de íons de hidrogênio e altas concentrações de energia, tendem a romper as pontes de hidrogênio e intensificar a expansão do grânulo. Assim, o amido deve ser selecionado com um nível suficiente de ligações cruzadas que suporte condições químicas e físicas extremas e proporcione viscosidade máxima.
Se ocorrer de um amido, moderadamente constituído de ligações cruzadas, tender a queda de viscosidade quando cozido a baixo pH, o problema poderá ser resolvido com uma alteração do processo, através de um cozimento com pH alto, permitindo que a pasta se resfrie e depois adicionando-se o ácido para atingir o pH desejado. Dessa forma, a viscosidade adequada pode ser alcançada não sendo necessária a utilização de um amido com maior nível de ligações cruzadas.
Outra importante modificação no amido é a estabilização, a qual previne a gelificação e sinérese, mantendo a textura.
A fração linear do amido de milho cozido se reassocia através de pontes de hidrogênio, causando gelificação, opacidade e sinérese.
Uma vez que o amido de milho ceroso altamente ramificado não possui amilose, não ocorrerá retrogradação ou gelificação sob condições normais de armazenamento. Contudo, sob baixa temperatura ou condições de congelamento, a pasta de amido de milho ceroso se torna turva e encorpada, ocorrendo ainda o processo de sinérese, tal como a pasta elaborada com amido de milho regular. Isto se atribui à diminuição do movimento cinético durante a queda de temperatura, permitindo às ramificações externas do amido de milho ceroso se associarem através de pontes de hidrogênio, de forma similar ao que ocorre com a amilose.
Para evitar este fenômeno indesejável, grupos aniônicos são dispersos através do grânulo com a finalidade de bloquear a associação molecular através da repulsão iônica. O resultado desse processo é um amido estabilizado, o qual produzirá pastas que suportarão diversos ciclos de refrigeração (congelamento/descongelamento) antes que a sinérese ocorra.
Amidos estabilizados são essenciais à indústria de alimentos congelados, mas possuem também aplicação em muitas outras áreas, pois outros alimentos processados, como molhos e caldos enlatados, podem ser estocados a baixas temperaturas, o que requer o uso de amidos estabilizados a fim de manter a qualidade.
Deve-se observar que a substituição, ou estabilização, propicia maior viscosidade à pasta de amido, porém com pouca resistência a condições adversas de processo (cisalhamento).
Os reagentes químicos normalmente empregados para esse tipo de modificação são o anidrido succínico, anidrido acético e óxido de propileno.
Quando o anidrido succínico ou anidrido 1-octenilsuccínico (OSA) são usados como reagentes para a substituição, o polímero de amido normalmente hidrofílico por natureza combina-se com a fração hidrofóbica, dando ao polímero propriedades emulsificantes.
O processo de conversão é uma das mais antigas formas de modificação. Pesquisas sobre conversão acídica já foram feitas no século XIX e os primeiros amidos convertidos com ácido surgiram em torno do ano de 1900. Os amidos podem ser convertidos com ácidos, oxidantes, calor ou enzimas para formar polímeros de peso molecular reduzido, com baixa viscosidade. Essa viscosidade reduzida é, às vezes, desejável no processamento de alimentos que contenham alto teor de sólidos.
Em condições de gelatinização, os amidos convertidos são muito mais solúveis que os nativos e formam um gel rígido quando resfriado. Alterando o comprimento do processo de conversão ou o método utilizado pode-se produzir amidos com várias propriedades. Quando processos de conversão maiores são utilizados, pode-se produzir dextrinas, xaropes de milho e outros derivados.
Alguns dos amidos modificados mais comumente utilizados na indústria são produzidos através de uma combinação desses métodos, normalmente ligação cruzada e substituição. Essas combinações permitem a oferta de amidos multifuncionais.
Como já mencionado, as principais técnicas de modificação física utilizadas são a pré-gelatinização e o tratamento térmico.
No processo de pré-gelatinização ou amidos instantâneos, uma solução de amido (normalmente a 35%) é depositada sobre um cilindro aquecendo. O amido cozido é assim seco, deixando uma taxa de umidade residual da ordem de 6% a 8%.
O amido é então moído, peneirado e acondicionado. Esse amido pode ser usado em produtos que não passem por tratamento com calor durante seu processo ou preparação. Muitos amidos produzidos segundo esse método perdem a integridade de seus grânulos. Um amido instantâneo finamente moído dá ao produto acabado uma textura mais untuosa que se fosse moído grosseiramente, porém pode embolotar se não for disperso corretamente.
Por outro lado, se for moído mais grosseiramente não terá tendência a embolotar, mas propiciará uma textura mais polposa, o que pode não ser conveniente para muitos produtos.
Tanto os amidos modificados quando os nativos podem ser pré-gelatinizados e o amido final obtido apresentará as mesmas características técnicas e reológicas que os amidos utilizados no processo de gelatinização. As principais aplicações para este tipo de amido são as sobremesas e sopas instantâneas, snacks, etc.
O tratamento térmico pode produzir um amido que mantenha sua integridade granular e apresente maior viscosidade e estabilidade sem o uso de reagentes químicos. São utilizados processos cuidadosamente controlados que podem envolver o aquecimento do amido além do ponto de gelatinização, porém sem água suficiente para a gelatinização, ou aquecendo-se a pasta de amido abaixo do seu ponto de gelatinização durante um longo período de tempo.
Amidos produzidos com tratamento térmico mantêm suas propriedades de cozimento quando são gelatinizados e, já que não houve nenhum produto químico envolvido no processo, continuam sendo considerados como nativos e chamados simplesmente de amido, fato extremamente interessante do ponto de vista do labeling.
Nos processos de fabricação que utilizam amidos é necessário levar em consideração alguns fatores, tais como o efeito dos outros ingredientes sobre o amido (os ácidos rompem as pontes de hidrogênio, provocando uma intumescência mais rápida do grânulo; sólidos solúveis interferem retendo a água necessária à hidratação; gorduras e proteínas tendem a encobrir o amido, retardando a hidratação do grânulo e diminuindo a velocidade de desenvolvimento da viscosidade), o pH e os efeitos do tempo, temperatura e agitação mecânica.
O amido pré-gelificado. Esse tipo de amido é usado no preparo de muitos alimentos instantâneos, uma vez que é mais miscível em água ou leite do que os amidos nativos. É preparado por aquecimento com agitação contínua em um mínimo de água, suficiente para garantir a gelificação do amido.
As aplicações típicas do amido pré-gelificado são os alimentos de conveniência, como pudins instantâneos, preparados, aditivos para acabamento de papéis por processo úmido e lamas para perfuratrizes de poços de petróleo.
Os amidos pré-gelificados são usados quando se espera que os produtos sejam solúveis ou dispersíveis em água fria ou quente sem aquecimento.
São bastante empregados na confecção de alimentos pré-preparados, são de cocção rápida e fácil digestão.
Apresentam-se parcialmente ou totalmente solúveis em água fria e quente.
O uso de amido pré-gelificado em alimentação se faz em produtos de panificação e confeitaria, em sopas, cremes e sobremesas instantâneas.
Além desses, tem emprego também em indústrias não alimentícias, como a têxtil, de papel e papelão, fundição, lamas para perfuração de petróleo, entre outras áreas de atividade.
Fontes de amido
As fontes mais comuns de amido alimentício são o milho, a batata, o trigo, a mandioca e o arroz.
O milho é cultivado em climas mais temperados, sendo 40% da produção mundial proveniente dos Estados Unidos, onde é a cultura principal. Existem várias espécies de milho, sendo que o mais utilizado para fazer amido é o Zea mays indentata. Na América do Sul, a variedade mais encontrada é a Zea mays indurata, bastante similar ao outro e podendo ser usado para as mesmas aplicações. Dentre das variedades que ainda merecem ser mencionadas inclui-se o milho ceroso (waxy, em inglês), cujo amido possui características diferenciadas, tornando-o ideal para determinadas aplicações envolvendo grandes variações de temperatura, o milho para pipocas, o Zea mays everta, e o milho índio, para o qual é dado o nome genérico de Zea mays, que se diferencia dos outros pelas tonalidades branca, marrom ou violeta que pode apresentar.
Em média, o mais comum, ou seja, o Zea mays indentata, é composto de 61,7% de amido, 7,7% de proteína e 3,3% de óleo.
A batata é cultivada em zonas de climas mais frios e úmidos, como a Europa e a Rússia, regiões responsáveis por cerca de 70% de seu cultivo.
Pertence a família das solanáceas e existem centenas de variedades. A batata é nativa dos Andes peruanos e foi levada pela primeira vez à Europa na metade do século XVI, pelos conquistadores espanhóis. A batata comum, classificada como Solanum tuberosum, é composta de água e amido. As batatas inglesas contêm de 10% a 30% de amido. Ao chegarem à usina, são lavadas e desintegradas em uma polpa aquosa, com o uso de moinhos de martelo. A polpa é tratada por dióxido de enxofre gasoso e lançada em uma centrifugadora horizontal, com cesta cônica perfurada e um removedor contínuo de amido, em parafuso helicoidal. A mistura de água e proteína é separada do amido, da celulose e das cascas, e estes três materiais são posteriormente resuspensos em água, na forma de um leite.
A suspensão é coada e a polpa das peneiras é remoída e repeneirada. O leite da segunda peneiração passa de novo por uma centrifugadora, sendo suspenso em água e lançado nos dispositivos de separação. Daí em diante, as operações são semelhantes às usadas para a fabricação do amido de milho.
O trigo cresce em várias partes do globo, principalmente Europa, América do Norte e nos diversos países que constituíam a antiga URSS. É conhecido desde os tempos pré-históricos. Seu uso principal é na forma de farinha, para fazer o pão. Pertence à espécie Triticum, da família dos Gramineae. É classificado em três grandes categorias, de acordo com o número de cromossomos encontrados em suas células. Os diplóides têm 14 cromossomos, os tetraplóides 28 e os hexaplóides 42 (trigo para pão). Na Europa, principalmente, e na Austrália, é utilizado para produzir amido. A maior dificuldade encontrada no processamento desse cereal é a separação entre o amido e o glúten. Pode-se conseguir esta separação pelo processo Martin; o trigo é moído em farinha, transformado em uma massa com cerca de 40% do seu peso em água e deixado em descanso durante uma hora. A massa resultante é dividida em pequenos pedaços e colocada em uma peneira semicircular, onde um rolo móvel a comprime, retirando o amido, que é removido por um fino borrifo de água. O licor obtido é tratado da mesma forma que no processo do milho. O glúten também é recuperado e comercializado.
A mandioca é cultivada em uma faixa tropical estreita perto do Equador. Pertence à família das Euphorbiaceae e é, geralmente, classificada como Manihot esculenta ou Manihot utilíssima ou Manihot aipi. Sua composição média é de 70% de umidade, 24% de amido, 2% de fibras, 1% de proteína e 3% de outros compostos. A Tailândia e o Brasil são grandes produtores.
O amido é obtido a partir das raízes e tubérculos da mandioca. Em geral, as raízes são reduzidas à polpa e lavadas em peneiras, para se obter o amido. As operações de separação e de purificação são semelhantes às descritas para a fécula de batata.
Aproximadamente 90% da produção mundial de arroz é oriunda do Sul e Sudeste da Ásia, onde tem sido cultivado há mais de 7.000 anos. Na China, tem-se evidências de seu cultivo desde 5.000 a.C e na Tailândia desde 6.000 a.C. Pertence à espécie Oryza, da família Poaceae ou Gramineae. O arroz comum é chamado de Oryza sativa. Normalmente, o arroz é classificado em função do comprimento de seu grão: curto (< 5mm), médio (5mm a 6mm) e longo (> 6mm).
O amido é feito a partir do arroz com casca, que ainda tem a cutícula externa castanha, ou de grãos quebrados e rejeitados como arroz de mesa.
O arroz é macerado durante 24 horas em solução de soda cáustica (densidade 1,005), em dornas com fundos falsos perfurados. No final do período, retira-se a solução, o arroz é lavado, junta-se nova solução e a maceração prossegue durante outras 36 a 48 horas.
Os grãos amolecidos que assim se obtêm são moídos com uma solução de soda cáustica até a densidade 1,24 e a pasta é centrifugada. Os sólidos separados incluem toda a espécie de material fibroso, amido e glúten. Este material é todo resuspenso em água, adiciona-se uma pequena quantidade de formaldeído para inibir a fermentação, recentrifuga-se e lava-se. Nesta altura, adiciona-se um agente alvejante. O licor é peneirado, ajustado à densidade 1,21 e enviado a uma centrifugadora a discos. O amido assim obtido é seco durante dois dias, entre 50°C e 60°C.
As propriedades funcionais do amido
A partir da década de 80, começou a ser observado que uma fração do amido escapava da digestão no intestino delgado e chegava ao cólon, onde servia de substrato para a flora bacteriana. Essa fração foi denominada amido resistente e, a partir de então, constatou-se que determinados efeitos fisiológicos, inicialmente atribuídos às fibras alimentares, poderiam também ser atribuídos ao amido resistente. Vários fatores podem estar envolvidos na sua formação e eles, por sua vez, afetam a sua resposta fisiológica. Deste modo, torna-se importante o conhecimento dos aspectos físico-químicos envolvidos na formação do amido resistente.
O conceito de carboidratos complexos tem sido modificado pelas recentes descobertas relacionadas aos seus efeitos fisiológicos e nutricionais.
Nesse grupo de nutrientes incluem-se o amido e os polissacarídeos não-amido, os quais possuem diferenças em suas estruturas químicas e em seus efeitos fisiológicos.
Como já foi mencionado, o amido é formado por dois polímeros, a amilose e a amilopectina, que somente podem ser evidenciados após solubilização dos grânulos e separação. As propriedades mais importantes com influência no seu valor nutricional incluem a taxa e a extensão da digestão ao longo do trato gastrointestinal e o metabolismo dos monômeros absorvidos.
Por outro lado, alguns aspectos físico-químicos do amido podem afetar a sua digestibilidade em um alimento. De um modo geral, os principais fatores que podem interferir no aproveitamento deste polissacarídeo incluem a sua origem botânica, a relação amilose/amilopectina, o grau de cristalinidade, a forma física e o tipo de processamento do amido, assim como interações ocorridas entre esta substância e outros constituintes do alimento.
A partir da década de 80, foram deflagradas pesquisas a respeito das frações do amido, assim como suas classificações e propriedades. Atualmente, vem crescendo o interesse dos pesquisadores em quantificar estas frações do amido nos alimentos, visando avaliar o seu real consumo e correlacionar estes achados com a nutrição e a saúde dos indivíduos.
O amido é classificado em função da sua estrutura físico-química e da sua susceptibilidade à hidrólise enzimática.
De acordo com a velocidade com a qual o alimento é digerido in vitro, o amido divide-se em rapidamente digerível, quando ao ser submetido à incubação com amilase pancreática e amiloglucosidase em uma temperatura de 37ºC, converte-se em glicose em 20 minutos; lentamente digerível, se nas condições anteriores é convertido em glicose em 120 minutos; e amido resistente (AR), que resiste à ação das enzimas digestivas.
Como já mencionado, o amido resistente é constituído por três tipos de amido: o tipo 1, que representa o grânulo de amido fisicamente inacessível na matriz do alimento, fundamentalmente devido as paredes celulares e proteínas, pertencendo a este grupo grãos inteiros ou parcialmente moídos de cereais, leguminosas e outros materiais contendo amido nos quais o tamanho ou a sua composição impede ou retarda a ação das enzimas digestivas; o tipo 2, que refere-se aos grânulos de amido nativo, encontrados no interior da célula vegetal, apresentando lenta digestibilidade devido às características intrínsecas da estrutura cristalina dos seus grânulos; e o tipo 3, que consiste em polímeros de amido retrogradado (principalmente de amilose), produzidos quando o amido é resfriado após a gelatinização.
O reaquecimento reduz o conteúdo deste tipo de amido em batatas, mostrando que a retrogradação é um fenômeno reversível. Os três tipos de amido resistente podem coexistir em um mesmo alimento. Assim, uma refeição contendo feijão (Phaseolus vulgaris L.) apresenta os tipos 1 e 3, e em bananas verdes são encontrados os tipos 1 e 2.
Um quarto tipo de amido resistente tem sido evidenciado quando o amido sofre modificações em sua estrutura química. Com o advento de sistemas de processamento mais sofisticados, tem sido possível obter produtos derivados do amido que podem atender necessidades específicas da indústria de alimentos. Esses produtos incluem os amidos substituídos quimicamente com grupamentos ésteres, fosfatos e éteres, bem como amidos com ligações cruzadas, sendo estes também resistentes à digestão no intestino delgado.
O amido resistente tem sido definido, em termos fisiológicos, como “a soma do amido e dos produtos da sua degradação que não são digeridos e absorvidos no intestino delgado de indivíduos sadios”. Desse modo, esta fração do amido apresenta comportamento similar ao da fibra alimentar e tem sido relacionada a efeitos benéficos locais (prioritariamente no intestino grosso) e sistêmicos, através de uma série de mecanismos.
Entre os fatores que influenciam a formação do amido resistente estão a gelatinização e a retrogradação do amido.
Durante o processamento e armazenamento, as mudanças ocorridas na estrutura do amido influenciam profundamente as suas propriedades funcionais e fisiológicas. A quantidade de água, o tempo e a temperatura de armazenamento são variáveis que influenciam no processo de cristalização e afetam diretamente os rendimentos do amido resistente.
A forma e a estrutura cristalina dos grânulos de amido são características de cada vegetal e podem ser visualizadas através de padrões de difração de raios-X, sendo divididos em três tipos: A, B e C. O tipo A é geralmente encontrado em amidos de cereais; o B é observado em alguns tubérculos, na banana verde e em amidos de milho com alto teor em amilose; e o C é encontrado frequentemente em amidos de leguminosas e sementes, sendo considerado uma combinação dos tipos A e B. Adicionalmente, quando moléculas de amilose associam-se com lipídios no grânulo de amido, é visualizado um padrão de raios-X tipo V, que é parcialmente resistente à digestão enzimática.
Durante o aquecimento em meio aquoso, os grânulos de amido sofrem mudanças em sua estrutura, envolvendo a ruptura das pontes de hidrogênio estabilizadoras da estrutura cristalina interna do grânulo, quando uma temperatura característica para cada tipo de amido é atingida.
Se o aquecimento prossegue com uma quantidade suficiente de água, rompe-se a região cristalina e a água entra, fazendo o grânulo romper-se e perder a birrefringência, ou seja, não se visualiza mais a Cruz de Malta sob luz polarizada. Com a gelatinização, o amido torna-se mais facilmente acessível à ação das enzimas digestivas.
A gelatinização refere-se à formação de uma pasta viscoelástica túrbida ou, em concentrações suficientemente altas, de um gel elástico opaco. Conforme passa o tempo e a temperatura diminui (na refrigeração ou congelamento, principalmente), as cadeias de amido tendem a interagir mais fortemente entre si, obrigando a água a sair e determinando, assim, a chamada sinérese.
A recristalização ou retrogradação ocorre quando, após uma solubilização durante o processo de gelatinização, as cadeias de amilose, mais rapidamente que as de amilopectina, agregam-se formando duplas hélices cristalinas estabilizadas por pontes de hidrogênio. Durante o esfriamento e/ou envelhecimento, estas hélices formam estruturas cristalinas tridimensionais altamente estáveis, com padrão B de difração de raios-x.
Os polímeros da amilopectina retrogradada, limitados pela sua estrutura ramificada, são menos firmemente ligados que os da amilose retrogradada, conferindo a esta última uma maior resistência à hidrólise enzimática. Estudos realizados sobre a influência do comprimento da cadeia de amilose na formação do amido resistente, sob condições experimentais, revelaram que o seu rendimento aumenta com o grau de polimerização da amilose. Também foram encontrados em géis de amilose retrogradada um grau de polimerização entre 40 e 60. Outros trabalhos mostraram que quanto maior o conteúdo de amilose, maior o rendimento do amido resistente.
Estudos in vitro e in vivo também têm mostrado que a forma física do alimento é o principal fator determinante da velocidade de digestão do amido. Com o processamento, os alimentos sofrem modificações em sua estrutura física, fazendo o amido ficar mais acessível à ação das enzimas digestivas. Além disso, a extensão da mastigação dos alimentos também pode interferir na disponibilidade do amido.
A organização dos componentes da parede celular das leguminosas é um fator primordial na utilização do seu amido, e as células contendo os grânulos apresentam paredes espessas e particularmente resistentes. A integridade da parede celular exerce uma importante função na utilização do amido, atuando como uma barreira física que dificulta o intumescimento, a completa gelatinização dos grânulos e a ação das enzimas digestivas sobre o amido.
Outro fator a ser levado em consideração na formação do amido resistente são as interações que podem existir entre o amido e outros nutrientes constituintes do alimento.
Conforme se observaram em estudos sobre a biodisponibilidade do amido, uma pré-incubação com pepsina aumenta a acessibilidade do amido à α-amilase em farinhas de trigo, tanto cruas quanto cozidas, evidenciando que uma considerável fração do amido encontra-se encapsulada por proteínas. A interação entre o amido e este nutriente também foi comprovada na elaboração de pães utilizando-se farinha de trigo com diferentes concentrações de proteína.
Neste caso, verificou-se ação da proteína na dureza e na mastigação do pão, reduzindo sua digestão intestinal, em humanos.
Com relação aos lipídios, foi constatada uma importante influência sobre a gelatinização e a retrogradação do amido. O mecanismo de interação entre a amilose e os lipídios atribui-se à formação de associações por inclusão do lipídio no interior da cadeia de amilose, que adota uma conformação em dupla hélice com estrutura parcialmente cristalina. Este complexo compete com a cristalização da amilose, deixando menor quantidade deste polissacarídeo livre para a formação de pontes de hidrogênio com outras cadeias de amilose.
A influência de outros constituintes dos alimentos na utilização de carboidratos tem sido documentada; os fitatos possuem a capacidade de inibir a digestão in vitro do amido de leguminosas e a sua resposta glicêmica em humanos, mas esses efeitos podem ser modificados na presença de cálcio. O fitato pode complexar-se com a α-amilase, a qual é uma enzima dependente de cálcio. Contudo, há a necessidade de se determinar o teor de fitato que possa significativamente exercer esses efeitos, sem prejudicar a biodisponibilidade dos minerais.
O conhecimento das propriedades físico-químicas do amido nos alimentos permite aos pesquisadores entender melhor os fenômenos envolvidos na formação do amido resistente. Além disso, evidencia-se a importância de conhecer o real conteúdo do amido resistente nos produtos alimentícios, tanto in natura quanto processados, para a elaboração de dietas mais adequadas e o desenvolvimento de alimentos funcionais que possibilitem uma melhor nutrição, promoção da saúde e diminuição do risco de doenças.