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Fortificação de alimentos como alternativa global para diminuir a insegurança alimentar que atinge mais de 690 milhões de pessoas no mundo

*Maurício Adade

De acordo com a última edição do relatório O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo, publicado em julho/20 pela Organização das Nações Unidas, quase 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019, aumento de 10 milhões em relação a 2018. E, com a pandemia de Covid-19, mais de 130 milhões de pessoas podem sofrer de fome crônica até o final de 2020. De acordo com a FAO (Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas), estima-se que haja aproximadamente 2 bilhões de pessoas desnutridas no mundo e 840 milhões de pessoas subnutridas nos países em desenvolvimento, destes, mais de 200 milhões são crianças.

Números alarmantes, não? Por esses e muitos outros fatores que foi realizado um evento coliderado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), Global Alliance for Improved Nutrition (GAIN), Fundo Internacional para Desenvolvimento Agrícola (IFAD), Organização Mundial de Agricultores, Conselho Empresarial Mundial para Desenvolvimento Sustentável, governo da Holanda e de empresas como Unilever, PepsiCo, Royal DSM, Rabobank, One Young World, Friedman School of Nutrition Science & Policy da Tufts University e Wageningen University & Research. Uma das sessões discutiu sobre ações efetivas para alcançar a meta para mudar o sistema alimentar, a ser adotado a partir de agora até a reunião da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU de 2021.

Nós todos sabemos que uma boa nutrição é essencial para manter nossa saúde, mas vivemos em um mundo cheio de contradições. De um lado, quase um bilhão de pessoas são obesas, e no lado oposto do espectro, 2 bilhões de pessoas estão subnutridas, ou seja, pessoas que não ingerem vitaminas e minerais essenciais. Embora sejam exigidos pelo corpo apenas em pequenas quantidades, as vitaminas e minerais fazem parte de uma série de funções fisiológicas para manter a saúde, o bom desenvolvimento cognitivo e sua produtividade. Crianças que são bem nutridas nos primeiros anos de vida têm 33% mais chances de escapar do círculo vicioso da pobreza quando crescem.

Nas últimas décadas, várias outras doenças relacionadas à ingestão inadequada de vitaminas e minerais específicos também se seguiram e foram quase erradicadas por meio de programas de fortificação de alimentos básicos bem-sucedidos. Dentre diversas ações e planos possíveis para solucionar esses problemas está a fortificação de alimentos essenciais, como as farinhas de trigo e milho, que são fortificadas com ferro e ácido fólico, o sal, enriquecido com iodo, leite com adição de vitamina D entre outros.

A fortificação de alimentos básicos se dá pela adição de micronutrientes pós-colheita para restaurar micronutrientes perdidos durante o processamento e preparação dos alimentos. O arroz, como alimento básico número um no mundo, oferece um veículo promissor para contribuir para preencher essa lacuna de nutrientes. Mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo dependem do arroz como seu alimento básico, muitos dos quais vivem em países em desenvolvimento onde cerca de 70% do consumo diário de calorias é através desse alimento. Há um grande ímpeto para que o arroz fortificado contribua para melhorar a nutrição graças aos desenvolvimentos técnicos, uma base de evidências robusta e lições aprendidas de programas de fortificação anteriores. Além disso, em 2018, a Organização Mundial da Saúde publicou suas diretrizes sobre a fortificação do arroz com vitaminas e minerais na saúde pública.

A Índia, por exemplo, planeja tornar obrigatória a fortificação do arroz com ferro, ácido fólico e vitamina B-12, nos próximos três anos, para combater a anemia que, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde da Família, atinge 58,6% de crianças entre seis e 59 meses e 53,1% de mulheres entre 15 e 49 anos. Já o Peru conta com o Programa Nacional de Alimentação Escolar Qali Warma, que estima que quase 2 milhões de crianças consumam arroz fortificado com ferro, zinco, vitamina A, D, E, tiamina, niacina, piridoxina, vitamina B12 e ácido fólico durante todo o ano de 2020. Essa estimativa foi feita pelo Instituto Nacional de Saúde do Peru, pela Prefeitura Metropolitana de Lima e pelo Programa Mundial de Alimentos (World Food Programme, em inglês).

Considerando que dois bilhões de pessoas enfrentam as consequências prejudiciais da fome oculta, as empresas e os governos precisam trabalhar juntos para combater este problema. Dietas que carecem de vitaminas e minerais essenciais aumentam as taxas de morbidade e mortalidade ao longo da vida e prejudicam o crescimento físico e o desenvolvimento cognitivo. Consequentemente, as deficiências têm efeitos de longo alcance sobre a saúde, a capacidade de aprendizagem e a produtividade, além de impactar negativamente os custos de saúde e a economia geral dos países. Para ter ideia da dimensão desse impacto, de acordo com o Conselho Europeu de Copenhage, a cada USD 1 que o governo de um país investe em alimentos nutritivos na primeira infância (do nascimento aos seis anos), tem o retorno de cerca de USD 45 para sua economia. Isso porque no futuro vai precisar investir menos em salubridade e saúde, pois terá uma população mais saudável.

A melhor forma de prevenir a desnutrição de micronutrientes é garantir o consumo de uma dieta balanceada. No entanto, isso não acontece na realidade por ser uma implementação complexa, especialmente quando uma dieta balanceada não é acessível a toda população. É por isso que estudos importantes, como a série de publicações do Lancet sobre desnutrição materna e infantil, o Consenso de Copenhague e o movimento Scaling Up Nutrition (SUN) consideram o combate às deficiências de micronutrientes implementando intervenções sustentáveis de fortificação de alimentos como uma das intervenções mais econômicas com impacto demonstrado.

Acredito que o que mostrei até aqui já deixa muito claro o quanto que a desnutrição e fome afetam o mundo, mas tenho um último, e não menos importante, fato que prova de que essas estão entre as principais prioridades globais. O Programa Mundial de Alimentos, da ONU, ganhou o Prêmio Nobel da paz este ano, no qual mais de 300 pessoas e organizações estavam concorrendo. Esse foi resultado de um excelente e importantíssimo trabalho que realiza há anos, ajudando a alimentar mais de 90 milhões de pessoas por ano em mais de 80 países. Veja a relevância do tema e das ações que o Programa Mundial de Alimentos realiza, pensando que o Prêmio Nobel da Paz já foi entregue para 134 pessoas e apenas 11 instituições. Sou muito orgulhoso em realizar projetos para o combate à desnutrição em parceria com esta organização.

*Maurício Adade é presidente da DSM América Latina, presidente global para parcerias e programas de desnutrição pela DSM e presidente do conselho do Africa Improved Foods.




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