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PREBIÓTICOS E PROTEÍNAS DO SORO DE LEITE : INGREDIENTES PARA FILMES COMESTÍVEIS APLICADOS EM PRODUTOS LÁCTEOS

Aspectos gerais

A vida contemporânea junto com novos hábitos de consumo e novas tecnologias têm causado um aumento na produção de resíduos sólidos. Grande parte destes resíduos podem permanecer por centenas e milhares de anos no meio ambiente, gerando impactos sociais, econômicos e ambientais de difíceis soluções (RAHMANI et al.,2013).

Os resíduos provenientes de embalagens em alguns países representam de 15% a 20% do total de resíduos sólidos coletados nas cidades, porém em países mais industrializados, os resíduos de embalagens estão próximos de 30% do total de resíduos coletados (EPA, 2015; TENCATI et al., 2016). No entanto, muitas iniciativas vêm sendo pesquisadas para a redução dos resíduos sólidos, sejam elas direcionadas a novas formas de disposição ou buscando a substituição de materiais de embalagens convencionais.

Uma das alternativas às embalagens convencionais mais estudadas atualmente, referem-se aos desenvolvimentos de biopolímeros, aplicadas como embalagens biodegradáveis e comestíveis. Os biopolímeros podem ser definidos como materiais de fontes renováveis e classificados de acordo com sua origem e método de obtenção. Dentre eles, destacam-se os polímeros extraídos diretamente de plantas, como os polissacarídeos e proteínas, os polímeros sintetizados quimicamente de monômeros derivados de fontes renováveis, como o ácido polilático e os polímeros produzidos por microrganismos, como o polihidorxibutiratos (Schmid, et al., 2019; PETERSEN, et al., 1999).

As diversas características dos biopolímeros e as recentes pesquisas têm permitido suas aplicações como embalagens comestíveis, agregando propriedades sensoriais, suplementos nutricionais, como veículos de antioxidantes (SOUZA et al., 2017), antimicrobianos (HASHEMI, et al., 2017) e em coberturas de frutas, como banana e cereja (YAMAN e BAYOINDIRLI, 2002), cogumelos (EISSA, 2007), entre outros vegetais.

Desenvolver novos materiais de fontes naturais e caracterizá-los é o primeiro desafio, porém a aplicação deste tipo de material muitas vezes não é destinada ao uso de maneira abrangente a todo e qualquer tipo de alimento, uma vez que os tipos de interações e propriedades requeridas para estes materiais e alimentos são geralmente especificas.

Alguns dos benefícios mais comuns são os de manter, melhorar ou aumentar o shelf life do produto (WYRWA et al., 2017). Os materiais de embalagens nestes tipos de aplicações atuam basicamente com mecanismos que absorvem componentes responsáveis pela deterioração do alimento ou promovem a incorporação de um novo componente no alimento para promover melhorias em suas propriedades (EUROPEAN COMMISSION, 2004; 2009).

Proteínas do leite como ingrediente para filmes comestíveis

Os filmes baseados em proteínas têm-se apresentado promissores, devido a sua composição. Porém ainda possuem algumas características distantes dos polímeros convencionais; as proteínas possuem alta permeabilidade ao vapor de água, devido a sua natureza hidrofílica e propriedades mecânicas inferiores aos materiais sintéticos. Dentre as matrizes proteicas estudadas, as proteínas do soro de leite tem um grande potencial a ser explorado para melhoramento dessas propriedades, devido a sua estrutura molecular, e estão presentes em diversos segmentos da indústria de alimentos (WIHODO et al., 2013).

As proteínas do soro de leite, constituem entre 15% a 20% do total de proteínas do leite (SINDAYIKENGERA E XIA, 2006). Os principais componentes são a β- lactoglobulinas e α-lactoalbuminas, dentre outras frações proteicas, como glicomacropeptideos, imunoglobulinas, albuminas do soro, lactoferrina e alguns peptídeos resultantes da proteólise das caseínas por enzimas do leite. A composição físico-química do soro de leite pode ser descrita conforme Tabela 1.

TABELA 1- COMPOSIÇÃO QUÍMICA E PROPRIEDADES FÍSICAS DO SORO DE LEITE

Proteína

%

Peso Molecular (kg/mol)

Ponto isoelétrico pH

β- lactoglobulina

48 - 58

18

5,4

α-lactoalbumina

13-19

14

4,4

Glicomacropeptideos

12 - 20

8,6

<3,8

Albumina do soro

6

66

5,1

Immunoglobulina

8 - 12

150

5 - 8

Lactoferrina

2

77

7,9

Lactoperoxidase

0,5

78

9,6

Fonte: adaptado de ONWULATA et al., (2008);

O soro de leite é um dos resíduos da indústria láctea que possuem uma larga produção e difícil destinação. Calcula-se que 50% do soro de leite produzido mundialmente seja eliminado em sistemas hídricos ou em solos, gerando perdas econômicas e problemas de poluição (SISO, 1996; RODRIGUES, 2001). O soro do leite, se destinado diretamente no ambiente sem tratamento prévio, gera impactos ambientais severos. Como característica, sua carga orgânica tem alto potencial de consumo de oxigênio dissolvido em corpos hídricos e contribui diretamente para o processo de eutrofização de rios e lagos (PRAZERES et al., 2012; RIVAS et al., 2011). O alto poder de poluição deste resíduo levou países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e União Europeia a introduzir legislações para evitar os impactos ambientais, estimulando a indústria a buscar oportunidades para a gestão destes efluentes (SMITHERS, 2008).

Existe interesse na indústria de alimentos em encontrar usos específicos para este subproduto para gerar valor a produtores e reduzir os problemas ambientais relacionados aos descartes não controlados. O soro de leite possui em sua composição proteínas em uma boa concentração com bom perfil funcional, nutricional e são capazes de gerar filmes com boas características de transparência e flexibilidade (FERRREIRA et al., 2009).

Prebióticos em filmes comestíveis

A incorporação de prebióticos em filmes e coberturas é uma das tecnologias emergentes que tem recebido bastante apelo pelo número de estudos e interesse da sociedade (PAVLI et al., 2018; Schmid, et al., 2019). Os consumidores têm aumentado a demanda por alimentos de alta qualidade nutricional e apenas com ingredientes naturais. Para o atendimento desta nova crescente, diversas técnicas vêm sendo utilizados para atender os anseios desses consumidores, substituindo embalagens convencionais por coberturas comestíveis e outros tipos de filmes, com resultados importantes (BOSQUEZ-MOLINA Et al., 2003).

Dessa forma, os biopolímeros passam a ter um papel importante na difusão e diversificação da categoria de alimentos funcionais, uma vez que a inclusão de probióticos e prebióticos diretamente nos alimentos tendem a gerar efeitos nas características sensoriais de vários produtos, podendo reduzir a aceitação do produto por parte dos consumidores. A adição em formato de coberturas ou filmes geralmente produz impactos neutros ou, as vezes, não detectados pelos consumidores (CORONA-HERNANDEZ et al., 2013).

A aplicação de prebióticos em filmes comestíveis representa uma solução paramuitos dos produtos com adição de probiótico atualmente no mercado; quando analisados, possuem questionamentos importantes referentes a alteração da qualidade do produto ou a viabilidade celular das bactérias empregadas que se apresentam em quantidades insuficiente ou já não existem mais, devido a fatores como pressão osmótica, calor, pH e atividade mecânica no processamento do próprio alimento (CORONA-HERNANDEZ et al., 2013 e FU et al., 2011).

Dessa forma, basicamente a utilização de prebióticos em filmes comestíveis possui duas principais vias, a primeira delas com a adição direta do prebiótico ao filme e, a segunda, na utilização combinada de um prebiótico com um probiótico, criando, assim, uma associação simbiótica favorável à estabilização na viabilidade da bactéria a uma série de variáveis (MohantY et al., 2018).

O horizonte da aplicação de prebióticos em filmes passa a ter ainda mais alternativas de utilização com a recente definição de seu conceito para: "Um substrato seletivamente utilizado pelos microrganismos benéficos residentes nos hospedeiros conferindo benefícios à saúde". Esta nova definição expande os tipos de substratos para além das fibras alimentares, passando a ser considerados também compostos fenólicos e ácidos graxos insaturados, que são metabolizados pelas bactérias presentes no colón (GIBSON et al., 2017).

Outro fator importante destas pesquisas é o aumento das discussões sobre o uso de aditivos alimentares sintéticos em comparação a antimicrobianos e antioxidantes naturais, uma vez que alguns destes óleos essenciais são reconhecidos com seguros (GRAS) pelos órgãos regulamentadores, como ANVISA, U.S. FDA e Comissão Europeia (RIBEIRO et al., 2017), passando também por estudos avançados que comprovam ou indicam propriedades antioxidantes, antitumores e anti-inflamatórias dos matérias utilizadospara os consumidores (BRAHMI et al., 2016; YEN et al., 2015).

Tradicionalmente, os produtos adicionados de bactérias probióticas com maior potencial de comercialização estão na categoria dos produtos lácteos, porémtêm sido testados com o mesmo objetivo outras naturezas de produtos alimentícios processados, como frutas, cárneos, cereais e chocolate. As diferentes propriedades físico-químicas e funcionais destes produtos devem ser capazes de suportar o crescimento dos probióticos. Sendo assim, considera-se com uma alternativa a adição direta do probiótico ao produto e adiciona-se indiretamente por meio de filme comestível com o objetivo de proteger o probiótico de fatores externos que possam reduzir sua viabilidade e proteger as características do produto (ESPITIA et al., 2016).

ROMANO et al. 2014 desenvolveram filmes de metil celulose com incorporação de duas cepas de bactérias ácido lácticas em conjunto com frutooligossacarídeo, que aumentou consideravelmente a viabilidade celular das cepas conforme aumento da concentração, em um máximo de 5% de FOS na etapa de secagem dos filmes.

SOUKOULIS et al., 2014 investigaram a viabilidade de Lactobacillus rhamnosus GG em filmes de gelatina com adição de probióticos, inulina, polidextrose, dextrinas de trigo e glicooloigossacarídeos. A adição de gilcoooligossacarídeos e polidextrose mostrou-se eficiente nas taxas de viabilidade das cepas probióticas. Enquanto a inulina e a dextrina de trigo tiveram um feito contrário. A inativação das cepas se mostrou maior em filmes acondicionados a temperaturas ambientes (25ºC) em relação aos filmes acondicionados sob refrigeração, com exceção da polidextrose, que aumentou a viabilidade do Lactobacillus rhamnosus GG acondicionado a temperatura ambiente (25ºC), indicando uma melhoria na característica do filme para armazenamento do probiótico.

Filmes comestíveis em produtos lácteos

Para produtos lácteos, os principais estudos compreendem a aplicação em queijos, uma vez que as embalagens utilizadas atualmente são compostas de polímeros derivados de petróleo, como polipropileno, polietileno e poliamida. O uso de probióticos tem como objetivo reduzir as perdas envolvendo a cadeia de produção, estocagem e shelf life oriundos de contaminações por bactérias, mofos, leveduras e o desenvolvimento de odores não característicos, mesmo acondicionados em embalagens (COSTA et al., 2018).

A vantagem do uso dos biopolímeros como filmes e coberturas comestíveis aplicados ao queijo é que estes podem estar adicionados de antimicrobianos e outros componentes, combinados a diferentes efeitos de propagação, difusão e solubilidade no alimento, afim de evitar o crescimento microbiológica na sua superfície (Ramos et al., 2012).

A tabela 2 mostra alguns trabalhos nos quais são relacionados os filmes comestíveis e suas diversas aplicações, que podem ser combinadas ao tipo de aplicação especifica, substrato e natureza do filme. Nota-se que existe uma escassez no que diz respeito ao uso simultâneo de prebióticos e proteína do leite como ingredientes comestíveis em produtos lácteos, o que demonstra o imenso potencial dessa área para estudos futuros.

TABELA 2- APLICAÇÕES E COMBINAÇÕES DE FILMES COMESTÍVEIS CONTENDO PROTEÍNA DO LEITE E/OU PREBIÓTICO POR PRODUTO LÁCTEO

Aplicação

Ingrediente prebiótico

Produto

Fonte

Filme de soro de leite

Solução ácida

Ricota

Di Pierro et al., 2011

Filme de metil celulose

Lactobacillus delbrueckii, Lactobacillus plantarum e FOS

Próprio filme

Romano et al., 2014


Considerações finais

A busca dos consumidores por produtos com benefícios à saúde e de produtos mais naturais tem sido significativa para os crescimentos da categoria de alimentos funcionais. A incorporação de prebióticos e proteínas do leite em filmes comestíveis é uma tecnologia emergente que vem evoluindo em suas aplicações para produtos lácteos.

As diversas possibilidades de combinações relacionadas ao tipo aplicação, produto, natureza do filme e inclusões geram um número grande de opções para avaliar o efeito desta tecnologia para escalas industriais. Além disso, esta tecnologia é capaz de abordar uma área de mercado em que desvencilha o uso de prebióticos diretamente no produto que, por muitas vezes, gera alterações sensoriais significativas no produto, tendo baixa aceitação por parte dos consumidores. Sendo assim, os filmes comestíveis tornam-se uma ótima opção para a diversificação de produtos lácteos funcionais no mercado e uma alternativa para aumentar o valor agregado das embalagens e produtos existentes.

*Leonardo M. Fernandes, Adriano G. Cruz e Marcia C. Silva - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) - Departamento de Alimentos.


ifrj.edu.br

marcia.cristina@ifr.edu.br




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