Nas últimas décadas, numerosas pesquisas vêm demonstrando as qualidades nutricionais das proteínas solúveis do soro do leite, também conhecidas como whey protein. Descritas pelos cientistas como parte importante no tratamento e prevenção de flatulências, prisão de ventre e putrefação intestinal, as proteínas do soro do leite oferece benefícios a atletas, praticantes de atividades físicas, pessoas fisicamente ativas e, até mesmo, portadores de doenças. Evidências sustentam a teoria de que as proteínas do leite, incluindo as proteínas do soro, além de seu alto valor biológico, possuem peptídeos bioativos que atuam como agentes antimicrobianos, anti-hipertensivos, reguladores da função imune, assim como fatores de crescimento.
As proteínas lácteas
O leite, produto de secreção das glândulas mamárias, é um fluido viscoso constituído de uma fase líquida e partículas em suspensão, formando uma emulsão natural, estável em condições normais de temperatura ou de refrigeração. Possui elevado valor nutritivo, sendo o único alimento que satisfaz às necessidades nutricionais e metabólicas do recém-nascido de cada espécie.
O leite fornece proteínas de elevada qualidade e em quantidade significativa; o leite in natura fornece, em média, de 3g a 3,5g de proteínas por 100g de leite. Depois das proteínas sanguíneas, as proteínas do leite são provavelmente as mais bem caracterizadas do ponto de vista físico-químico e genético. As proteínas lácteas dividem-se em várias classes de cadeias polipeptídicas. Um dos grupos de proteínas, o das caseínas, representa cerca de 75% a 85% das proteínas lácteas. Neste grupo, consideram-se ainda vários tipos de polipeptídeos: αs1-, αs2-, β-, e κ-, com algumas variantes genéticas, modificações pós-translacionais e produtos de proteólises. A presença natural de proteinases (plasmina) no leite pode originar alguma proteólise com formação de γ-caseínas e proteose-peptonas (veja Quadro 1).
QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEÍNAS DO LEITE
(30-50G/L) - CASEÍNAS
I. Caseínas (24-28g/l)
A. αs1 – caseínas (12-15g/l)
1. αs1 - caseína Xa-8P (variantes genéticas -A, B, C, D-9P, e E)
2. αs1 - caseína Xa-9P (variantes genéticas - A, B, C, D-10P, e E)
3. αs1 – fragmentos de caseínab
B. αs2 – caseínas (3-4g/l)
1. αs2 – caseína Xa-10P (variantes genéticas - A, B, C-9P e D7-P)2. αs2 – caseína Xa-11P (variantes genéticas - A, B, C-10P e D8-P)3. αs2 – caseína Xa-12P (variantes genéticas - A, B, C-11P e D9-P)
4. αs2 – caseína Xa-13P (variantes genéticas - A, B, C-12P e D10-P)
C. β-caseínas (9-11g/l)
1. β-caseínas Xa-5P (variantes genéticas – A1, A2, A3, B, C-4P, D4-P e E)
2. β-caseínas Xa-1P (f29-209) (variantes genéticas – A1, A2, A3 e B)
3. β-caseínas Xa- (f 106-209) (variantes genéticas – A2, A3 e B)
4. β-caseínas Xa- (f 108-209) (variantes genéticas – A e B)
5. β-caseínas Xa-4P (f 1-28)c
6. β-caseínas Xa-5P (f 1-105)c
7. β-caseínas Xa-5P (f 1-107)c
8. β-caseínas Xa-1P (f 29-105)c
9. β-caseínas Xa-1P (f 29-107)c
D. κ-caseínas (2-4g/l)
1. к-caseínas Xa – 1, -2, -3, etc. (variantes genéticas – A, B, C e E)
E. γ-caseínas (3-7% do total de proteínas lácteas)
Xa = variante genética;
c = As variantes genéticas destes fragmentos ainda não foram especificamente identificadas.
Quase todas as caseínas se encontram associadas a cálcio e fósforo, em micelas de 20 a 300μm de diâmetro e que refletem a luz, originando a coloração branca característica do leite. As caseínas parecem ser um dos fatores que contribuem para aumentar a biodisponibilidade de cálcio no leite, enquanto que sugere-se um efeito prejudicial destas proteínas com relação a biodisponibilidade de ferro.
O segundo grupo de maior importância quantitativa é o das proteínas solúveis do soro lácteo, ou proteínas do lactosoro, que constitui de 15% a 22% das proteínas totais do leite. As principais famílias de proteínas do lactosoro são as β-lactoglobulinas, as α-lactoalbuminas, as albuminas séricas e as imunoglobulinas.
Ainda deve-se considerar o grupo de proteínas da complexa matriz lipoprotéica da membrana dos glóbulos de gordura; este grupo de proteínas faz parte integrante da membrana, e não inclui as proteínas solúveis que podem ser adsorvidas, consideradas por certos autores como periféricas. Através de técnicas apropriadas de separação eletroforética, as proteínas da membrana dos glóbulos de gordura distribuem-se em quatro bandas distintas: A, B, C e D.
Finalmente, existe o grupo das proteínas minor que inclui um conjunto de proteínas, tais como transferrina, lactoferrina, microglobulina, glicoproteínas, etc. (veja Quadro 2).
QUADRO 2 - DISTRIBUIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEÍNAS DO LEITE
(30-50G/L) - LACTOSORO
II. Proteínas do lactosoro (5-7g/l)
A. β-lactoglobulinas (2-4g/l)
1. β-lactoglobulinas X° (variante genéticas - A, B, C, D, Dr, E, F, G, H e W)
B. α-lactalbuminas (0,6-1,7g/l)
1. 1. α-lactalbuminas X° (variante genéticas - A, B e C)
C. Albumina sérica (0,2-0,4g/l)
D. Imunoglobulinas (0,5-1,8g/l)
1. Imunoglobulinas IgG
a. Imunoglobulinas IgG1
b. Imunoglobulinas IgG2
c. Fragmentos IgG
2. Imunoglobulinas IgM
3. Imunoglobulinas IgA
a. Imunoglobulinas IgA
b. Imunoglobulinas secretórias IgA
4.Imunoglobulinas IgE
5. Cadeia J
6. Componente livre secretório
III. Proteínas da membrana do glóbulo de gordura
A. Proteínas da zona A
B. Proteínas da zona B
C. Proteínas da zona C
D. Proteínas da zona D
IV. Proteínas minor
A. Transferrina sérica
B. Lactoferrina
C. Microglobulina-β2
D. Glicoproteínas-M1
E. Glicoproteínas-M2
F. Glicoproteína ácida-α1 ou oxosonuróide
G. Ceruloplasmina
H. Inibidor de tripsina
I. Cininogéneo
J. Proteína de ligação ao folato
K. Proteína de ligação à vitamina B12
V. Enzimas
X° = variante genética
As enzimas completam a lista de substâncias proteicas no leite. De modo geral, considera-se que as enzimas são inativadas pelo pH ácido do estômago e, também, pelo processamento térmico.
A qualidade nutricional das proteínas depende do seu teor em aminoácidos essenciais, da sua digestibilidade e da biodisponibilidade dos seus aminoácidos. A alta qualidade das proteínas lácteas é marcada pela presença, em várias quantidades, de todos os aminoácidos essenciais, o que confere às proteínas do leite elevado valor biológico; além disso, o padrão de distribuição desses aminoácidos nas proteínas lácteas assemelha-se ao que se julga ser necessário ao ser humano. Apenas os aminoácidos sulfurados (metionina e cistina) são relativamente pouco presentes nas proteínas lácteas, enquanto a quantidade de lisina é elevada e complementa proteínas de outras fontes alimentares deficitárias neste aminoácido.
Pelo seu excelente valor nutricional, a caseína é usada por muitos autores como proteína de referência para avaliar a qualidade protéica dos alimentos. Relativamente à lactoalbumina, a caseína tem menor quantidade de metionina e cistina, o que lhe confere menor valor biológico. No entanto, a maior concentração destes aminoácidos nas proteínas do lactosoro complementa bem a falta relativa na caseína e melhora a qualidade das proteínas do leite. A α-lactoalbumina é bastante rica em triptofano, um aminoácido precursor de niacina, pelo que o leite é também uma excelente fonte de equivalentes de niacina (veja Quadro 3).
QUADRO 3 – QUALIDADE PROTÉICA DO LEITE E DE ALGUMAS PROTEÍNAS LÁCTEAS
VB DigestibilidadeUPN EP IQ IQ
Corrigido (a)
Leite84,596,981,6 3,09 60 58,1
Caseína79,796,372,1 2,86 58 55,9
Lactalbumina 82,097,079,5 3,43 --
Abreviaturas: VB = Valor biológico; UPN = Utilização protéica “neta”; EP = Rficácia protéica; IQ = Índice químico;
(a) Índice químico da proteína corrigido pela sua digestibilidade, de acordo com Dillon; (34)
FAO, 1970; (22) Dillon, 1992 (34)
As proteínas do leite apresentam a vantagem de serem as proteínas animais mais baratas e, mais ainda, se levar em conta o seu alto valor biológico. São utilizadas como ingredientes em vários produtos alimentares e, individualmente, podem exibir várias funções benéficas ao organismo, como o aumento da absorção de cálcio e da função imunológica, a diminuição da pressão arterial e do risco de câncer, etc., tópicos que serão abordados mais adiante.
A quantidade elevada de lisina, treonina, metionina e isoleucina, na caseína e nas proteínas do soro lácteo, faz com que apresentem grande interesse para suplementar as proteínas de origem vegetal e, particularmente, as de cereais, as quais têm como fator limitante a lisina. Por outro lado, as proteínas cerealíferas completam o fornecimento de azoto e de esqueletos carbonados, a partir dos seus aminoácidos não essenciais, fator interessante, já que as proteínas lácteas são relativamente escassas de aminoácidos não essenciais e é importante disponibilizar tais estruturas para a síntese protéica.
O triptofano é outro dos aminoácidos presentes em quantidade importante no leite. A sua elevada concentração torna o leite uma excelente fonte de equivalentes de niacina. Este aminoácido é também o precursor de um neuromediador, a serotonina. Segundo alguns autores, como a entrada de triptofano no cérebro influi na regulação da serotonina, e como os níveis deste neurotransmissor dependem da indução do sono, o leite poderá promover efeito sedativo (veja Quadro 4).
QUADRO 4 – DISTRIBUIÇÃO DE AMINOÁCIDOS NO LEITE
AminoácidosNecessidades doLeite inteiro
adulto (a,b)______________________________________
(mg/dia)mg/g SLNG (c,d) mg/g de mg/g
proteína(a) leite (d)
Essenciais
Histidina560-84010,312789,39
Isoleucina70022,9847 199,24
Leucina98037,1695 322,18
Lisina84030,1278 261,14
Metionina (f)910 9,503382,36
Fenilalanina (g)98018,34 102 159,01
Treonina49017,1244 148,43
Triptofano245 5,3414 46,30
Valina70025,3964 220,13
_____________________________________________________________________________
Não essenciais
Alanina13,10113,58
Arginina13,76119,30
Ácido aspártico28,79249,61
Cistina 3,50 30,34
Ácido glutâmico79,48689,09
Glicina 8,04 69,71
Prolina36,78318,88
Serina20,66179,12
Tirosina18,34159,01
(a) RDA, 1989; (38)
(b) valores calculados para um adulto do sexo masculino, de 70kg de peso;
© Valores calculados considerando uma concentração de SLNG, de 8,67%, para o leite inteiro;
(d) Whitney, 1938; (25)
(e) OMS, 1986; (39)
(f) Valor total para o par de aminoácidos metionina + cistina.
As proteínas do soro do leite
As proteínas do soro do leite apresentam uma estrutura globular contendo algumas pontes de dissulfeto, que conferem um certo grau de estabilidade estrutural. As frações, ou peptídeos do soro, são constituídas de beta-lactoglobulina (BLG), alfa-lactoalbumina (ALA), albumina do soro bovino (BSA), imunoglobulinas (Ig's) e glicomacropeptídeos (GMP). Essas frações podem variar em tamanho, peso molecular e função, fornecendo às proteínas do soro características especiais. Presentes em todos os tipos de leite, a proteína do leite bovino contém cerca de 80% de caseína e 20% de proteínas do soro, percentual que pode variar em função da raça do gado, da ração fornecida e do país de origem. No leite humano, o percentual das proteínas do soro é modificado ao longo da lactação, sendo que no colostro representam cerca de 80% e, na sequência, esse percentual diminui para 50%.
A beta-lactoglobulina é o maior peptídeo do soro (45,0% a 57,0%), representando, no leite bovino, cerca de 3,2g/l. Apresenta médio peso molecular (18,4 a 36,8 kDa), o que lhe confere resistência à ação de ácidos e enzimas proteolíticas presentes no estômago, sendo, portanto, absorvida no intestino delgado. É o peptídeo que apresenta maior teor de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), com cerca de 25,1%. Importante carreadora de retinol (pró vitamina A) materno para o filhote, em animais, em humanos essa função biológica é desprezada, uma vez que a beta-lactoglobulina não está presente no leite humano.
Em termos quantitativos, a alfa-lactoalbumina é o segundo peptídeo do soro (15% a 25%) do leite bovino e o principal do leite humano. Com peso molecular de 14,2k Da, caracteriza-se por ser de fácil e rápida digestão. Contém o maior teor de triptofano (6%) entre todas as fontes proteicas alimentares, sendo, também, rica em lisina, leucina, treonina e cistina. A alfa-lactoalbumina é precursora da biossíntese de lactose no tecido mamário e possui a capacidade de se ligar a certos minerais, como cálcio e zinco, o que pode afetar positivamente sua absorção. Além disso, a fração alfa-lactoalbumina apresenta atividade antimicrobiana contra bactérias patogênicas, como por exemplo, Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Klebsiella pneumoniae.
A albumina do soro bovino corresponde a cerca de 10% das proteínas do soro do leite. É um peptídeo de alto peso molecular (66 kD), rico em cistina (aproximadamente 6%), e relevante precursor da síntese de glutationa. Possui afinidade por ácidos graxos livres e outros lipídeos, favorecendo seu transporte na corrente sanguínea.
As imunoglobulinas são proteínas de alto peso molecular (150 a 1 000kDa). Quatro das cinco classes das Ig's estão presentes no leite bovino (IgG, IgA, IgM e IgE), sendo a IgG a principal, constituindo cerca de 80% do total. No leite humano, a IgA constitui a principal imunoglobulina (>90%). Suas principais ações biológicas residem na imunidade passiva e atividade antioxidante.
O glicomacropeptídeos (6,7 kDa) é um peptídeo resistente ao calor, à digestão assim como a mudanças de pH. Curiosamente, muitos autores não descrevem o glicomacropeptídeos como um peptídeo do soro. Na verdade, o glicomacropeptídeos é um peptídeo derivado da digestão da caseína-kapa, pela ação da quimosina durante a coagulação do queijo. Essa fração está presente em um tipo de proteína do soro, conhecida como whey rennet. Apresenta alta carga negativa, que favorece a absorção de minerais pelo epitélio intestinal7, e, assim como a fração beta-lactoglobulina, possui alto teor de aminoácidos essenciais (47%).
As subfrações ou peptídeos secundários das proteínas do soro são assim denominadas por se apresentarem em pequenas concentrações no leite. Compreendem as subfrações: lactoferrina, beta-microglobulinas, gamaglobulinas, lactoperoxidase, lisozima, lactolina, relaxina, lactofano, fatores de crescimento IGF-1 e IGF-2, proteoses-peptonas e aminoácidos livres. As subfrações lactoferrina, lisozima, lactoperoxidase, encontradas no leite humano, fornecem propriedades antimicrobianas importantes para o recém-nascido, assim como os fatores de crescimento IGF-I e IGF-II, que estão relacionados com o desenvolvimento do tubo digestivo.
As proteínas do soro podem exibir diferenças na sua composição de macronutrientes e micronutrientes, dependendo da forma utilizada para sua obtenção. Segundo pesquisas, 100g de concentrado proteico do soro do leite possui, em média, 414 kcal, 80g de proteína, 7g de gordura e 8g de carboidratos. A composição média de aminoácidos é de 4,9mg de alanina, 2,4mg de arginina, 3,8mg de asparagina, 10,7mg de ácido aspártico, 1,7mg de cisteína, 3,4mg de glutamina, 15,4mg de ácido glutâmico, 1,7mg de glicina, 1,7mg de histidina, 4,7mg de isoleucina, 11,8mg de leucina, 9,5mg de lisina, 3,1mg de metionina, 3,0mg de fenilalanina, 4,2mg de prolina, 3,9mg de serina, 4,6mg de treonina, 1,3mg de triptofano, 3,4mg de tirosina e 4,7mg de valina, por grama de proteína. Os aminoácidos de cadeia ramificada perfazem 21,2% e todos os aminoácidos essenciais constituem 42,7%. Esses valores estão acima da média, quando comparados àqueles de outras fontes proteicas, fornecendo às proteínas do soro importantes propriedades nutricionais. Em relação aos micronutrientes, possui, em média, 1,2mg de ferro, 170mg de sódio e 600mg de cálcio por 100g de concentrado protéico.
O soro de leite pode ser obtido em laboratório ou na indústria por três processos principais: a) pelo processo de coagulação enzimática (enzima quimosina), resultando no coágulo de caseínas, matéria-prima para a produção de queijos e no soro "doce"; b) precipitação ácida no pH isoelétrico (pI), resultando na caseína isoelétrica, que é transformada em caseinatos e no soro ácido; c) separação física das micelas de caseína por microfiltração, obtendo-se um concentrado de micelas e as proteínas do soro, na forma de concentrado ou isolado protéico.
As proteínas do soro de leite são altamente digeríveis e rapidamente absorvidas pelo organismo, estimulando a síntese de proteínas sanguíneas e teciduais a tal ponto que alguns pesquisadores classificaram essas proteínas como proteínas de metabolização rápida (fast metabolizing proteins), muito adequadas para situações de estresses metabólicos em que a reposição de proteínas no organismo se torna emergencial.
Benefícios para a saúde humana
O leite é, sem dúvida nenhuma, um alimento de extrema importância para o desenvolvimento humano. Entre suas inúmeras vantagens, a amamentação nos primeiros meses de vida é fundamental para o desenvolvimento, tanto do trato digestivo como da função imune, defendendo o bebê de bactérias, vírus e fungos patogênicos. Esses benefícios são atribuídos às proteínas encontradas no leite humano, inclusive as proteínas do soro.
Infelizmente, o leite humano está disponível apenas nos primeiros meses de vida. No entanto, desde que o homem passou a domesticar o gado bovino, há cerca de seis mil anos, seu leite assumiu papel de destaque na nutrição humana, principalmente por ser uma excelente fonte de cálcio. Pesquisas demonstraram que as proteínas do soro promovem a formação dos ossos em humanos, estimulando a proliferação e a diferenciação dos osteoblastos, aumentando a densidade mineral óssea e inibindo a reabsorção de cálcio.
Nos últimos anos, pesquisadores têm estudado os efeitos da alimentação e dos nutrientes sobre alterações do humor. O foco dessas pesquisas tem sido avaliar os efeitos da serotonina, um neurotransmissor produzido pelo cérebro que está diretamente relacionado às alterações de humor e ao estresse. Sob condições de estresse crônico, a produção exacerbada de serotonina pode resultar em depleção da mesma, via redução do triptofano, seu precursor, causando diminuição da sua atividade e, como consequência, alterações de humor e aparecimento da depressão.
A disponibilidade de triptofano na corrente sanguínea pode facilitar sua captação pelo cérebro e, dessa forma, favorecer a produção de serotonina. Diversas estratégias nutricionais têm sido estudadas com esse intuito. Entre elas, pesquisadores observaram, em pacientes submetidos ao estresse, que a administração de uma dieta enriquecida com a fração alfa-lactoalbumina (rica em triptofano) aumentou em 48% a relação plasmática triptofano/aminoácidos neutros, em comparação a uma dieta placebo, composta de caseína, favorecendo, o acesso do triptofano ao cérebro. O aumento na disponibilidade de triptofano estimulou a produção de serotonina, melhorou o humor e reduziu a depressão dos pacientes em estudo, de forma significativa. Apesar de contraditório, às observações de que a administração de precursores da serotonina aumenta as concentrações de cortisol, o aumento na concentração de triptofano reduziu as concentrações desse hormônio. Nesses indivíduos, a atividade da serotonina pode melhorar a adaptação ao estresse, contribuindo para a redução do cortisol. Segundo pesquisadores, diferentes vias metabólicas estão envolvidas na adaptação ao estresse, iniciando e finalizando a atividade do eixo adrenocortical, não sendo a neurotransmissão serotonérgica um mecanismo único. Consequentemente, a capacidade de adaptação ao estresse pode acompanhar uma redução da resposta do cortisol e melhorar o humor. As observações pertinentes ao cortisol divergem das alterações observadas em atletas submetidos a atividades aeróbias extenuantes, nos quais o aumento da relação plasmática triptofano/aminoácidos neutros, resultante da diminuição na concentração de aminoácidos neutros, eleva a produção de cortisol, desencadeando um processo conhecido como fadiga central. Em outro estudo, observou-se que a mesma dieta melhorava o desempenho cognitivo em pacientes de mesmo perfil, via aumento do triptofano no cérebro e da atividade da serotonina.
Inúmeras pesquisas vêm demonstrando outras propriedades nutricionais e funcionais das proteínas do soro. Estudos envolvendo a ação da fração glicomacropeptídeos na prevenção da cárie, na absorção de zinco, além de sua extensa aplicação na indústria de alimentos, como por exemplo, na produção de fórmulas infantis, panificação, embutidos e sorveteria, têm sido realizados. Entretanto, sua disponibilidade para o consumo populacional é ainda pequena. As proteínas do soro são, geralmente, encontradas sob a forma de pó em suplementos alimentares.
Atividade imunomoduladora
Uma das propriedades funcionais fisiológicas mais estudadas e importantes das proteínas do soro do leite se relaciona com o seu poder imunomodulador. As imunoglobulinas do leite permanecem quase que integralmente no soro e continuam a desempenhar função importante, não somente no sistema gastrointestinal, mas sistemicamente em todo o organismo.
Na década de 80, uma série de pesquisas desenvolvidas particularmente no Canadá mostraram que dietas à base de concentrados de proteínas de soro de leite bovino, não desnaturadas, promovia estímulo imunológico superior a um grande número de outras proteínas isoladas e testadas comparativamente, quanto ao poder de estimular a produção de imunoglobulina M (IgM) o baço, após estímulo antigênico (imunização) com um número conhecido de hemácias de carneiro.
Ao mesmo tempo em que se verificava aumento significativo da produção de imunoglobulina havia um aumento correspondente do tripeptídio glutationa (γ-glutamilcisteinilglicina) no baço, no fígado e em vários outros órgãos.
Os pesquisadores canadenses associaram o poder imunoestimulante das proteínas do soro com a capacidade dessas proteínas estimular a síntese de glutationa, em virtude do elevado conteúdo de cisteína e de repetidas sequências glutamil-cistina na estrutura primária dessas proteínas. Os peptídeos com a sequência glutamil-cistina seriam formados na digestão dessas proteínas e absorvidos como tal, servindo de substrato para a síntese de glutationa. Esta, por sua vez, exerce um poder estimulatório sobre linfócitos capazes de sintetizar imunoglobulinas.
A eficácia das proteínas isoladas do soro de leite no sentido de melhorar a atuação do sistema imunológico foi também testada em humanos portadores do vírus HIV. Esses vírus, mesmo quando a doença está sob controle, por efeito de medicação, causam um desequilíbrio dos linfócitos TCD4+ (linfócitos de defesa do organismo) deixando prevalecer os linfócitos TCD8+ ou linfócitos de ataque (Tkiller). Embora com número reduzido de sujeitos, 3 e 4 indivíduos, respectivamente, a administração de 10g a 40g diárias de proteínas de soro a esses indivíduos portadores de HIV elevou a concentração de glutationa nos linfócitos e o número de linfócitos TCD4+, melhorando as condições gerais dos pacientes, inclusive com ganho de peso de 2 kg a 7 kg, no período de três meses de suplementação.
Estudos recentes comprovaram o poder imunoestimulante e estimulador da síntese de glutationa, em camundongos e em humanos, por preparados de proteína de soro bovino produzidos em escala piloto. Dietas contendo concentrado protéico de soro de leite (WPC) estimulou a síntese de imunoglobulina M no baço e a síntese de glutationa no fígado em camundongo da linhagem A/J, mais do que qualquer outra proteína testada. Forte correlação linear positiva (r=0,998) foi encontrada entre células do baço produtoras de IgM e concentração de glutationa no fígado. Em estudo prospectivo duplo-cego, 18 crianças entre 1 e 6 anos de idade, portadoras de HIV foram suplementadas com concentrado de proteína de soro de leite (WPC) ou placebo (maltodextrina) por quatro meses. Observou-se uma elevação nos níveis de linfócitos TCD4+, elevação da síntese de glutationa eritrocitária e redução na ocorrência de episódios infecciosos no grupo suplementado com WPC.
Além do concentrado e do isolado protéico de proteína de soro (WPC e WPI), respectivamente, a ação imunoestimulatória tem sido demonstrada para proteínas isoladas do soro: imunoglobulinas, lactoferrina, lactoperoxidase e glicomacropeptídio. Este último só é encontrado no soro doce, como produto da ação da enzima coagulante quimosina sobre a k-caseína.
Além de estar presente no soro, a lactoferrina é secretada por neutrófilos, podendo estimular o crescimento de vários tipos de células do sistema imune como linfócitos, macrófagos/monócitos, além de estimular a resposta imune humoral na produção de anticorpos.
Atividade antimicrobiana e antiviral
Atividade antimicrobiana e antiviral têm sido demonstradas para as proteínas do soro de leite lactoferrina, lactoperoxidase, μ -lactalbumina e as imunoglobulinas.
A lactoferrina, bem como seu peptídeo lactoferricina, inibem a proliferação e o crescimento de bactérias gram-positivas e gram-negativas, bem como leveduras, fungos e protozoários por quelar (sequestrar) o ferro disponível no ambiente, enquanto que a lactoperoxidase tem propriedade bactericida através da oxidação de tiocianatos em presença de peróxido de hidrogênio (H2O2).
A hidrólise enzimática da lactoferrina libera peptídeos com ação inibitória ao vírus da hepatite C e com ação contra a bactéria Helicobacter pylori. A lactoferricina, peptídeo formado dos resíduos resultante da ação da pepsina sobre a lactoferrina, apresenta, além da atividade antimicrobiana, ação apoteótica sobre células da leucemia humana.
A hidrólise enzimática (pepsina, tripsina, quimotripsina) permite o isolamento e a identificação de peptídeos de diversos tamanhos moleculares e sequências com atividade bactericida, a partir das proteínas β-lactoglobulina e α-lactalbumina, sugerindo que essas proteínas do soro podem exercer efeito antibiótico no organismo após hidrólise enzimática.
A propriedade bactericida também tem sido demonstrada em oligômeros de µ-lactalbumina que podem se formar em meio ácido, na presença do ácido oléico. Esses oligômeros podem se formar no estômago pela perda do Ca++ ligado a essa molécula, seguida da complexação com o ácido graxo monoinsaturado. Além da atividade antibiótica, esses oligômeros de α-lactalbumina apresentam também ação apoteótica sobre células cancerígenas.
Atividade anticâncer
Estudos tem sido demonstrado que concentrados de proteínas do soro de leite bovino, assim como várias de suas proteínas e peptídeos, delas derivados, apresentam ação inibitória para diversos tipos de câncer, em modelos animais e em culturas de células cancerígenas.
O câncer é uma doença complexa cuja indução e desenvolvimento dependem de inúmeros fatores. Várias pesquisas têm sido desenvolvidas nos últimos anos, tanto em modelos animais como em culturas de células, que demonstram ação anticâncer das proteínas do soro do leite.
Pesquisadores estudaram a ação de várias proteínas da dieta (proteínas de soro do leite, caseína, proteínas da carne bovina e da soja) contra o desenvolvimento de tumores de cólon induzidos pelo carcinógeno 1,2-dimetilhidrazina. Nesses estudos foi observado que dietas contendo as proteínas do soro do leite inibiram o aparecimento e o crescimento de tumores de cólon de forma mais significativa que a caseína, as proteínas de carne bovina e as da soja, sendo a ordem de significância estatística: proteína do soro>caseína>carne>soja, podendo, portanto, concluir-se que as proteínas do soro atuaram de maneira mais eficaz no combate à tumorigênese induzida, em roedores, que as demais proteínas testadas.
Estudos compararam a eficiência de dietas contendo 15% de concentrado protéico de soro de leite, 15% de proteína de soja e dois outros tratamentos, que incluíram 15% de soja mais 5% de lactoferrina, ou 15% de soja mais 5% de β-lactoglobulina. Os pesquisadores observaram que a suplementação da soja com 5% de lactoferrina ou 5% β-lactoglobulina resultou em inibição da formação de lesões pré-cancerígenas (focos de criptas aberrantes), tão eficientemente quanto o concentrado protéico de soro de leite, evidenciando a importância dessas duas proteínas do soro na inibição do processo de carcinogênese.
Recentes pesquisas realizadas com câncer de cólon induzido em camundongos da linhagem A/J porazoximetano confirmaram a eficácia das proteínas do soro do leite bovino (concentrado protéico de soro de leite) na inibição de lesões intestinais pré-cancerígenas (focos de criptas aberrantes) e desenvolvimento de tumores de cólon do tipo adenocarcinoma, bem como no estímulo à síntese de glutationa hepática e de imunoglobulina M (IgM) por células de baço. Nesta pesquisa, comparou-se o poder antitumoral de quatro concentrados protéicos, a saber, um preparado de concentrado protéico de soro de leite em planta piloto, um preparado de proteínas de soro (Immunocal) preparado e patenteado no Canadá, uma caseína comercial e um isolado de proteína de soja, também comercial. A dieta utilizada foi a AIN-93 com uma das proteínas citadas como única fonte protéica (20g proteína/100g dieta). Não houve diferença entre as dietas para ganho de peso. O número e tamanho dos tumores foram significativamente maiores nos animais em dieta de proteína de soja, seguida da caseína e dos dois preparados de proteínas de soro, significativamente inferiores, em relação à caseína e à soja. Os dois preparados de soro não diferiram entre si, em nenhum dos parâmetros estudados.
Outros pesquisadores constataram a capacidade inibitória das proteínas do soro do leite sobre o câncer de mama, de cabeça e de pescoço e sobre culturas de células cancerígenas.
Atividade antiúlcera
Embora o leite e os produtos lácteos tenham sido ao longo do tempo os alimentos preferidos por pessoas com problemas gástricos (hiperacidez, azia, queimação estomacal, refluxo gástrico-esofágico), esses efeitos têm sido atribuídos, principalmente, às gorduras do leite e sua própria consistência física de emulsão líquida.
A partir do conhecimento de que as proteínas do soro do leite são ricas em aminoácidos sulfurados, particularmente cisteína, e que são capazes de promover, in vivo, aumento da síntese de glutationa, além do fato de a glutationa ser importante na proteção dos tecidos epiteliais, iniciou-se uma linha de pesquisa para explorar a possível ação protetora das proteínas do soro do leite bovino na proteção da mucosa gástrica, contra vários agentes agressores.
Pesquisadores analisaram a ação de um preparado de concentrado protéico de soro de leite, produzido em planta piloto, na inibição da ação ulcerogênica do etanol absoluto, da indometacina (antiinflamatório não esteroidal) e de fatores de estresse, como imobilização e frio e estresse químico com reserpina.
Os resultados dessas pesquisas permitiram concluir que o concentrado protéico de soro de leite e seus hidrolisados enzimáticos protegem a mucosa estomacal de ratos contra as agressões do etanol absoluto e da indometacina, inibindo as lesões ulcerativas em uma faixa de 50% a 80%, em relação a um controle negativo (solução salina fisiológica). O estudo também fez a comparação com drogas específicas para o controle de úlcera gástrica, como a cimetidina e a carbenoxolona, cuja inibição foi da ordem de 80% a 90%. Chegou-se ainda à conclusão, através de testes de bloqueios metabólicos com reagentes específicos, que as vias operantes no mecanismo de proteção envolvem substâncias sulfídricas, como cisteína, glutationa e, provavelmente, enzimas que dependem de grupos sulfídricos em seu centro catalítico.
O estudo também observou que o mecanismo de proteção envolve o ciclo das prostaglandinas, tendo sua síntese na mucosa gástrica estimulada. As substâncias sulfídricas, além da função redutora, protegem a mucosa através do sequestro de radicais livres, que se formam em maior quantidade na presença dos agentes agressores. As prostaglandinas protegem a mucosa gástrica através do estímulo à produção de muco e de bicarbonato, que formam uma camada protetora da mucosa contra ulcerações.
Pesquisas recentes permitiram concluir que uma das proteínas do soro ativa contra a ulceração gástrica é a α-lactalbumina e que a β-lactoglobulina não apresenta ação antiulcerogênica, em ratos.
Proteção ao sistema cardiovascular
Pesquisas mostraram que as proteínas do soro de leite bovino podem atuar de várias formas, protegendo o sistema circulatório e cardíaco, podendo contribuir, desta forma, para a diminuição dos riscos de patologias cardiovasculares.
Algumas pesquisas evidenciaram efeito positivo das proteínas de soro na redução dos níveis de triglicérides e do colesterol sanguíneo e/ou hepático. Os pesquisadores mostraram o efeito positivo no abaixamento do colesterol sanguíneo, em ratos, semelhantemente à da proteína de soja, contrariamente à caseína que tende a aumentar a colesterolemia sanguínea e a lipidemia hepática.
Pesquisadores estudaram por 49 dias o efeito, em ratos, de dietas contendo 23% de uma das seguintes fontes de proteína: proteínas de soro de leite, caseína, proteínas de soja ou de girassol. Observaram que os níveis de colesterol foram mais altos nos ratos alimentados com dieta de caseína, comparado com os ratos em dieta de proteína de soro de leite. Embora os níveis de colesterol sérico total e de HDL-colesterol tivessem sido idênticos nos grupos alimentados com proteína de soro, soja ou de girassol, a excreção fecal de esteróis neutros foi maior para o grupo em proteína de soja. Por outro lado, o colesterol hepático foi significativamente mais baixo nos ratos em dieta com proteína de soro, comparado com as demais dietas estudadas.
Os pesquisadores concluíram que, comparado com a dieta de caseína, a dieta com proteína de soro provocou uma redução no colesterol total e do HDL-colesterol, sem interferir na excreção de esteróides neutros. Por outro lado, as dietas de soja e girassol diminuíram os níveis de HDL-colesterol sanguíneo, sendo que apenas a dieta de soja promoveu um aumento da excreção fecal de esteróides.
Em outro estudo realizado com ratos, comparou-se os efeitos da proteína de soja com as do soro de leite, e verificou-se que os níveis de lipídios totais e de colesterol foram significativamente diminuídos pelo efeito das proteínas de soro, sendo que o efeito para as proteínas de soro foi mais significativo do que para as proteínas de soja.
Outro aspecto das proteínas de soro de leite, que pode contribuir para a saúde cardiovascular, está relacionado à descoberta de que a hidrólise enzimática de algumas dessas proteínas liberam peptídeos com ação hipotensora ou anti-hipertensiva. Esses peptídeos, que podem ser formados também a partir de outras proteínas alimentares (soja, peixe, trigo, gelatina), são capazes de inibir a ação da enzima conversora de angiotensina I em angiotensina II. A angiotensina I é um decaptídio inativo produzido nos rins, que é convertido em angiotensina II, um octopeptídeo com forte ação vasoconstritora, portanto, com ação hipertensora. Além da ação hipertensora, a angiotensina II estimula a produção do hormônio aldosterona, que age diminuindo a excreção renal de fluido e de sais, aumentando a retenção de água e o volume de fluido extracelular. Vários peptídeos com ação inibidora da angiotensina II foram isolados e caracterizados a partir de hidrolisados da β-lactoglobulina e da α-lactalbumina.
As proteínas do soro de leite podem exercer vários efeitos benéficos sobre o sistema cardiovascular graças às suas propriedades redutoras (cisteína, estímulo à síntese de glutationa) e sequestrantes de radicais livres (glutationa, lactoferrina, lactoperoxidase), que são também inibidores da lipoxidação das lipoproteínas e artérias. Os peptídeos derivados da lactoferrina mostraram atividade anticoagulante, inibindo a agregação de plaquetas.
As proteínas do soro do leite e a atividade esportiva
O exercício físico tem profundo efeito no metabolismo das proteínas, no consumo de oxigênio acima dos níveis de repouso, no transporte de aminoácidos e de glicose, bem como na concentração de lactato muscular.
Nos últimos anos tem-se verificado um avanço importante da nutrição esportiva, com base em princípios fisiológicos e bioquímicos. Uma alimentação especial pode promover melhor saúde e otimizar os benefícios do treinamento.
Sabe-se que aminoácidos e peptídeos, como precursores da síntese protéica, exercem papel fundamental no organismo. Tem-se observado que a oxidação da leucina, em ratos treinados, é superior à de ratos não treinados, portanto, o condicionamento físico aumenta o turnover e a oxidação da leucina, sendo que essa oxidação é acelerada na medida em que o organismo esteja mais depletado de glicogênio.
O exercício físico, em geral, requer um maior aporte protéico, o que se deve a uma maior utilização de aminoácidos como fonte energética no metabolismo. Na atividade física, a diminuição da disponibilidade de aminoácidos pode limitar o efeito estimulatório da insulina sobre a síntese tecidual de proteínas. Os excessos na ingestão de proteínas podem, contudo, proporcionar efeitos negativos no metabolismo hepático e renal.
Estudos com animais de laboratório, exercitados à exaustão, utilizando dietas com proteínas de soro de leite ou seus hidrolisados, levaram a conclusões ligeiramente diferentes em função do tipo de dieta usada.
Um estudo utilizando proteína de soro com 15% de grau de hidrólise, mostrou que ratos submetidos a exercício exaustivo foram capazes de manter os teores séricos de glicose e albumina e do glicogênio muscular. Por outro lado, um outro estudo utilizando um hidrolisado protéico de soro lácteo com 30% de grau de hidrólise não mostrou o mesmo efeito protetor observado na pesquisa anterior. Provavelmente, o hidrolisado com 30% de grau de hidrólise não tenha sido tão bem absorvido e metabolizado quanto o de menor grau de hidrólise (15%).
A dieta suplementada com mistura de proteínas de soro lácteo, parcialmente hidrolisadas, e carboidrato foi capaz de estimular a secreção de insulina e aumentar os níveis de aminoácidos plasmáticos com maior eficiência do que dietas suplementadas com proteína intacta (não hidrolisada) ou com apenas carboidrato.
Estudos realizados com ratos Wistar jovens recebendo dois tipos de dieta, proteína de soro isolada ou um hidrolisado (grau de hidrólise médio) resultante do mesmo isolado, foram submetidos a três condições experimentais: grupo sedentário, grupo treinado e grupo treinado à exaustão. Foram avaliadas a evolução ponderal, tempo de exaustão, concentração de lactato sanguíneo, glicose, albumina e proteínas totais séricas, além de glicogênio e proteína muscular. Os resultados mais relevantes neste estudo mostraram que a proteína hidrolisada promoveu melhor desempenho físico nos animais treinados, evidenciado pela maior resistência à exaustão; o hidrolisado produziu redução do lactato sanguíneo e apresentou vantagem significativa quanto à manutenção dos níveis de albumina e de proteínas séricas totais. Foi possível inferir, desta pesquisa, que o grupo de animais em dieta de hidrolisado de proteínas de soro tiveram melhor desempenho metabólico e foram significativamente mais resistentes à exaustão do que os ratos que receberam a dieta com proteínas de soro íntegras (não hidrolisadas).
Considerando que o exercício físico exaustivo causa depressão imunológica, produção de radicais livres e catabolismo protéico, e que as proteínas do soro de leite e seus hidrolisados agem estimulando o sistema imune (celular e humoral) através do estímulo linfocitário e produção de anticorpos; e que várias proteínas do soro de leite e seus produtos metabólicos são antioxidantes e sequestrantes de radicais livres e, considerando-se ainda, que essas proteínas são rapidamente digeridas e absorvidas e que a composição de aminoácidos das mesmas favorecem a síntese de proteínas musculares (aminoácidos de cadeias ramificadas), é de se esperar que sua ação seja altamente benéfica ao organismo humano e animal, antes, durante e após períodos de exercícios intensos e/ou prolongados.
Efeitos sobre o anabolismo muscular
A diminuição da massa muscular esquelética está associada à idade e à inatividade física. Já está suficientemente comprovado que a manutenção ou o ganho de massa muscular esquelética, principalmente em pessoas idosas, contribui para uma melhor qualidade e prolongamento da vida. Exercícios físicos, principalmente os resistidos com pesos, são de extrema importância para impedir a atrofia e favorecer o processo de hipertrofia muscular, melhorando a qualidade de vida dos indivíduos. Além disso, a nutrição exerce papel fundamental nesse processo. Pessoas fisicamente ativas e atletas necessitam de maior quantidade protéica do que as estabelecidas para indivíduos sedentários.
Pessoas envolvidas em treinos de resistência necessitam de 1,2 a 1,4g de proteína por quilograma de peso ao dia, enquanto que atletas de força, necessitam de 1,6 a 1,7g.1 por kg- de peso/dia-1, bem superior aos 0,8-1,0g.-1 por kg- de peso/dia dia-1, estabelecidos para indivíduos sedentários. A ingestão de proteína ou aminoácidos, após exercícios físicos, favorece a recuperação e a síntese protéica muscular. Além disso, quanto menor o intervalo entre o término do exercício e a ingestão protéica, melhor será a resposta anabólica ao exercício. Estudos avaliaram o efeito da suplementação protéica (10g de proteínas provenientes do leite e da soja) em um grupo de 13 idosos, submetidos a programa de treinos resistidos com pesos, por 12 semanas. Avaliando o ganho de força (repetições máximas e medidas de força dinâmica e isocinética) e a hipertrofia muscular (biópsia e ressonância magnética), observaram que o grupo que recebeu suplementação, logo após a realização da sessão de exercícios, apresentou um ganho significantemente maior de força e de hipertrofia muscular, quando comparado com o grupo que recebeu a suplementação protéica apenas duas horas após a realização dos exercícios.
Existem diferentes vias pelas quais as proteínas do soro favorecem a hipertrofia muscular e o ganho de força, otimizando, dessa forma, o treinamento e o desempenho físico. A quantidade e o tipo de proteína ou de aminoácido fornecidos após o exercício, influenciam a síntese protéica. Estudos têm mostrado que somente os aminoácidos essenciais, especialmente a leucina, são necessários para estimular a síntese protéica. Pesquisadores demonstraram que a ingestão de uma solução contendo proteínas do soro e carboidratos aumentou significantemente as concentrações plasmáticas de sete aminoácidos essenciais, incluindo os aminoácidos de cadeia ramificada, em comparação à caseína. Assim, as pesquisas sugerem que a leucina participa no processo de iniciação da ativação da síntese protéica. Segundo os pesquisadores, a leucina tem um papel fundamental no processo de fosforilação de proteínas envolvidas na formação do complexo do fator de iniciação eucariótico 4F (eIF4F) que, por sua vez, inicia a tradução do RNA mensageiro (RNAm) para a síntese global de proteínas. A leucina atua, também, na cascata de reações que promove a fosforilação da proteína S6 cinase ribossomal (S6K1), que ativa a tradução de proteínas envolvidas no aparato de síntese protéica. Além disso, a leucina atua na síntese protéica, por outros mecanismos diferentes e independentes dos citados acima.
O perfil de aminoácidos das proteínas do soro, principalmente ricas em leucina, pode, desta forma, favorecer o anabolismo muscular. Além disso, o perfil de aminoácidos das proteínas do soro é muito similar ao das proteínas do músculo esquelético, fornecendo quase todos os aminoácidos em proporção similar às do mesmo, classificando-as como um efetivo suplemento anabólico. Foi observado em estudo significante ganho de massa muscular em adultos jovens suplementados com as proteínas do soro e submetidos a um programa de exercícios com pesos, quando comparado a um grupo não suplementado, corroborando a teoria do efeito das proteínas do soro sobre o ganho de massa muscular.
O conceito de proteínas com diferentes velocidades de absorção tem sido utilizado por profissionais e cientistas que trabalham com desempenho físico. Estudos demonstram que as proteínas do soro são absorvidas mais rapidamente do que outras, como a caseína, por exemplo. Essa rápida absorção faz com que as concentrações plasmáticas de muitos aminoácidos, inclusive a leucina, atinjam altos valores logo após a sua ingestão. Pode-se, dessa forma, hipotetizar que, se essa ingestão fosse realizada após uma sessão de exercícios, as proteínas do soro seriam mais eficientes no desencadeamento do processo de síntese protéica. Além de aumentar as concentrações plasmáticas de aminoácidos, a ingestão de soluções contendo as proteínas do soro aumenta, significativamente, a concentração de insulina plasmática, o que favorece a captação de aminoácidos para o interior da célula muscular, otimizando a síntese e reduzindo o catabolismo protéico. Estudos avaliaram o efeito de quatro diferentes soluções, uma contendo somente 25g/l de glicose (C) e três contendo 25g/l de glicose e 0,25g/kg de peso corporal de três diferentes fontes proteicas: ervilhas (E), proteínas do soro (W) e leite integral (L) sobre as concentrações de insulina e aminoácidos. Foi observado que, após 20 minutos da ingestão, a solução contendo as proteínas do soro provocou elevação na concentração plasmática de insulina de forma significativa (p<0,05). Essa elevação foi aproximadamente duas vezes maior do que a observada com a solução contendo leite integral e quatro vezes maior do que a solução contendo somente. Após 80 minutos, a concentração de insulina em todos os grupos voltou aos valores iniciais. Observou-se, também, que após 20 minutos, a solução de proteínas do soro provocou uma maior elevação na concentração plasmática de aminoácidos essenciais, principalmente os aminoácidos de cadeia ramificada, do que as outras soluções. O aumento na concentração de aminoácidos de cadeia ramificada, induzido pelas proteínas do soro, pode atuar também inibindo a degradação protéica muscular.
Resumindo, seus benefícios sobre o ganho de massa muscular estão relacionados ao perfil de aminoácidos, principalmente da leucina (um importante desencadeador da síntese protéica), à rápida absorção intestinal de seus aminoácidos e peptídeos, e à sua ação sobre a liberação de hormônios anabólicos, como por exemplo, a insulina.
Proteínas do soro do leite e a redução de gordura corporal
O excesso de gordura corporal é considerado um problema de saúde pública há muitos anos. Estudos populacionais vêm mostrando que o excesso de peso é um problema, tanto para países desenvolvidos como para países em desenvolvimento, sendo também fator de risco para o aparecimento de doenças crônicas. Atletas e pessoas fisicamente ativas procuram, a todo custo, manter um percentual baixo de gordura corporal, seja com o objetivo de melhorar o desempenho físico ou apenas para o bem estar físico e mental. Vários trabalhos têm mostrado que as proteínas do soro favorecem o processo de redução da gordura corporal, por meio de mecanismos associados ao cálcio, e por apresentar altas concentrações de aminoácidos de cadeia ramificada.
As proteínas do soro são ricas em cálcio (aproximadamente 600mg/100g). Diversos estudos epidemiológicos têm verificado uma relação inversa entre a ingestão de cálcio, proveniente do leite e seus derivados, e a gordura corporal. Uma provável explicação seria que o aumento no cálcio dietético reduz as concentrações dos hormônios calcitrópicos, principalmente o 1,25 hidroxicolecalciferol. Em altas concentrações, esse hormônio estimula a transferência de cálcio para os adipócitos. Nos adipócitos, altas concentrações de cálcio levam à lipogênese (síntese de novo) e à redução da lipólise. Portanto, a supressão dos hormônios calcitrópicos mediada pelo cálcio dietético pode ajudar a diminuir a deposição de gordura nos tecidos adiposos. As proteínas do soro podem oferecer uma vantagem sobre o leite como fonte de cálcio, em pessoas intolerantes à lactose, uma vez que grande parte dos suplementos à base de proteínas do soro é praticamente isenta de lactose, e pelo fato de essa proteína apresentar percentual de gordura menor que 2%.
Estudos mostram que o alto teor de aminoácidos de cadeia ramificada das proteínas do soro afeta os processos metabólicos da regulação energética, favorecendo o controle e a redução da gordura corporal. Uma série de estudos mostrou que dietas com maior relação proteína/carboidratos são mais eficientes para o controle da glicemia e da insulina pós-prandial, favorecendo, dessa forma, a redução da gordura corporal e a preservação da massa muscular durante a perda de peso. Pesquisas têm reavaliado a contribuição dos aminoácidos de cadeia ramificada para a homeostase glicêmica, pois esses aminoácidos são degradados nos tecidos musculares em proporção relativa à sua ingestão. Essa degradação aumenta as concentrações plasmáticas dos aminoácidos alanina e glutamina, que são transportadas para o fígado para a produção de glicose (gliconeogênese). Estudos sugerem que o ciclo alanina-glicose contribui em até 40% com a glicose endógena produzida durante o exercício, e em até 70% depois de um jejum noturno, estabilizando, portanto, a glicemia em períodos de jejum, e reduzindo a resposta da insulina após as refeições. Por elevar as concentrações plasmáticas de aminoácidos de cadeia ramificada, a utilização de proteínas do soro nesses tipos de dietas seria vantajosa, por reduzir a liberação de insulina pós-prandial e maximizar a ação do fígado no controle da glicemia, a partir da gliconeogênese hepática. Além disso, pelo fato da leucina atuar nos processos de síntese protéica, altas concentrações desse aminoácido favorece a manutenção da massa muscular durante a perda de peso.
Para avaliar tais hipóteses, um estudo submeteu mulheres obesas (>15% do peso ideal) a dois tipos de dietas isocalóricas. Um grupo (protéico) recebeu dieta com 1,5g.kg-1.dia-1 de proteína, com 22,3g/dia de aminoácidos de cadeia ramificada, sendo 9,9g/dia de leucina, 40% das energias provenientes de carboidratos e 30% de lipídios. O outro grupo (controle) recebeu dieta contendo 0,8g.kg-1.dia-1 de proteína, com 12,3g/dia de aminoácidos de cadeia ramificada, sendo 5,4g/dia de leucina, 55% das energias provenientes de carboidratos e 30% de lipídios. Todos os voluntários foram precisamente controlados quanto à ingestão das dietas e à realização de exercícios. Após 10 semanas, os pesquisadores observaram que o grupo protéico apresentou valores estatisticamente maiores de glicemia em jejum e menores valores de glicemia pós-prandial. A dieta protéica gerou, também, melhor controle da insulina pós-prandial, com valores estatisticamente menores (p<0,05). Em outro estudo, com o mesmo grupo de mulheres e aplicando os mesmos tipos de dietas, observou-se que após 16 semanas, a dieta protéica ocasionou uma perda significante de peso, gordura corporal e resultou em uma menor perda de massa magra (p<0,05). Em estudo anterior, realizado com ratos, foi observado que refeições pré-exercício, contendo as proteínas do soro, enriquecidas com a fração alfa-lactoalbumina, foram mais eficientes para a manutenção da massa muscular na perda de peso e mantiveram uma alta taxa de oxidação lipídica durante o exercício, similar às taxas observadas quando o exercício era realizado em jejum. Segundo os pesquisadores, a captação intestinal e a composição de aminoácidos da proteína tiveram papel decisivo nos resultados observados. Porém, os mecanismos de ação não tinham sido esclarecidos. Possivelmente, a leucina e os outros aminoácidos de cadeia ramificada tiveram efeito similar aos observados nos estudos anteriores.
A colecistoquinina e o peptídeo similar ao glucagon são dois hormônios intestinais amplamente estudados. A liberação desses hormônios na corrente sanguínea ocorre em presença de macronutrientes no duodeno, produzindo efeito supressor do apetite. Comparando as duas principais proteínas do leite, caseína e as proteínas do soro, pesquisadores estudaram seus efeitos sobre o apetite, percepção de fome, saciedade e hormônios gastrintestinais. Observaram que, quando os voluntários ingeriam uma solução contendo 48g de proteínas do soro, 90 minutos antes da refeição, apresentavam uma redução significativa do apetite, da ingestão energética e aumento da saciedade, em comparação a um grupo que ingeriu a mesma solução contendo caseína. Essa percepção, apesar de subjetiva, estava relacionada às maiores concentrações sanguíneas de colecistoquinina e do peptídeo similar ao glucagon, geradas pela ingestão da solução contendo as proteínas do soro.
Em síntese, as proteínas do soro interferem positivamente na redução de gordura em função de seu alto teor de cálcio e por agirem sobre os hormônios colecistoquinina e peptídeo similar ao glucagon. Sua utilização em dietas para perda de peso auxilia o controle da glicemia e a preservação da massa muscular devido às altas concentrações de aminoácidos de cadeia ramificada.