Potencial econômico do setor, que tem menos impacto ambiental que a produção tradicional de laticínios, atrai cada vez mais o interesse de investidores
Aindústria de proteínas de origem vegetal, também conhecidas como proteínas plant-based, já movimenta globalmente 35,6 bilhões de dólares por ano, e deve alcançar 162 bilhões de dólares em 2030, segundo estudo da Bloomberg publicado em agosto. Mas nem tudo virá da carne vegetal. Leite e lácteos feitos de plantas também estão levando tecnologia para a indústria, atraindo consumidores nas gôndolas e investidores nos mercados de capitais. A expectativa é de que em 2030 essa vertical da produção plant-based movimente, sozinha, 62 bilhões de dólares no mundo.
Os motivos por trás dessa expansão extrapolam a bandeira vegana e o “ativismo natureba”. A tendência parte de duas frentes principais.
A primeira tem caráter econômico-social e está relacionada à necessidade de aumento da eficiência na produção alimentos altamente proteicos — entre eles leite e derivados. A ciência já mostrou a importância da ingestão de proteínas para o ser humano e a indústria alimentícia, nesse contexto, tem que se preparar para atender, com produção eficiente e qualidade nutricional, os 10 bilhões de habitantes que o planeta terá em 2050. Hoje somos cerca de 8 bilhões, sendo 10% mal nutridos, um contingente dramático de 800 milhões de pessoas, de acordo com estimativas da FAO (Food and Agricultural Organization), braço da ONU para alimentação.
A segunda frente é ambiental. As mudanças climáticas estão mais que evidentes e a agenda pró-clima se tornou um imperativo também na indústria alimentícia e do agronegócio. Atualmente, cada litro de leite longa vida oferecido no supermercado é responsável pela emissão de 3,2 quilos de CO2. O impacto é gigantesco. No Brasil, por exemplo, cada habitante consome em média 170 litros de leite e derivados por ano (um dos maiores do mundo). Façam-se as contas para se observar a magnitude desse impacto negativo no ambiente.
Os desafios da indústria
Ocorre que a indústria tem desafios de tecnologia, cadeia de produção e obrigações fiscais que não passam despercebidos. Os investidores estão atentos aos pontos mais críticos e, principalmente, querem saber como os negócios se posicionam e trabalham para superar cada um desses obstáculos.
Um levantamento do The Good Food Institute feito junto a representantes da indústria plant-based chegou aos seguintes números:
— 72% buscam melhorias tecnológicas na produção
— 68% pesquisam ingredientes que tenham sabor e textura semelhantes aos das proteínas de origem animal
— 64% querem oferecer um produto clean label, com poucos ingredientes e sem conservantes (como o leite da marca Nude, por exemplo, que usa apenas aveia, água e sal)
A despeito dos avanços recentes, ainda são grandes as dificuldades para se replicar, na indústria plant-based, as características dos lácteos de origem animal. Quanto mais semelhantes sabores e texturas, maior poderá ser a atração de consumidores e, sabendo disso, a indústria tem atuado no desenvolvimento de novas tecnologias produtivas.
Insumos e impostos
Outro desafio é a oferta de matéria prima. O mercado ainda está descobrindo os ingredientes que melhor funcionam. E entre os que já foram aprovados (como cereais, oleaginosas e leguminosas, por exemplo), a maior parte é exportada ou usada como base para fabricação de produtos alimentícios de escala mais ampla.
Esse cenário de pouca oferta tende a aumentar os custos de produção de leite e laticínios plant-based, com reflexos também sobre o preço final. Um litro de leite de castanha hoje é vendido no varejo a 15 reais, ante 5 reais de um leite tradicional “de caixinha”. O aumento da escala de produção, via tecnologias industriais e maior disponibilidade de matéria prima, pode ser uma saída para o barateamento.
Mais um descasamento aparece na questão tributária: a indústria do leite de origem animal no Brasil paga menos impostos que seus similares plant-based. É necessária uma mudança nessa equação, já que é evidente a contribuição dos lácteos vegetais para a mitigação da crise climática.
Nesse contexto, é importante começarmos a discutir, pelo menos, isonomia nos tributos cobrados e nos incentivos fiscais concedidos a ambas as indústrias, no âmbito de um programa de políticas públicas para combate às mudanças climáticas.
Promover as proteínas plant-based não significa abolir a produção e o consumo da proteína animal. Particularmente no Brasil, que tem uma sociedade tão diversa, é essencial a pluralidade na oferta de alimentos.
O importante, mesmo, é oferecer à população a possibilidade de uma alimentação saudável e acessível, ao mesmo tempo em que a produção coexista em equilíbrio com o meio ambiente.
Daniel Izzo, sócio-cofundador da Vox Capital