Primeiro foram os orgânicos, vinhos que não usam nenhum tipo de químico para sua elaboração. Depois, ganharam repercussão os biodinâmicos, que levam em conta até as fases da lua na formação das uvas.
Mais recentemente, os naturais, feitos sem (ou com o mínimo de) intervenção, dominaram o mercado global. Agora, entretanto, é a hora dos vinhos veganos.
Sim, aqueles que não usam nenhum tipo de produto de origem animal em sua fabricação e que se orgulham por trazer isso nos rótulos — muitos deles, já com certificação.
Não se trata de uma total novidade, já que há produtores que há alguns anos fazem seus vinhos com este conceito, da França à Itália. Mas agora, muitas são as vinícolas no mundo todo a seguirem a tendência.
No mercado de alimentos, é uma área que não para de crescer. Nos EUA, as vendas de mantimentos veganos, como substitutos de leite e carne, cresceram 27% de 2020 a 2021, segundo dados do Good Food Institute. Segundo o mesmo instituto, no Brasil já são mais de 7 milhões de pessoas que se declaram veganas — um número em crescimento em uma população em que 29% das pessoas dizem querer reduzir o consumo de carne.
"Era natural que essa tendência também chegasse ao mundo dos líquidos", afirma a sommelière Gabriela Monteleone, autora do livro "Conversas Acerca do Vinho". Para ela, trata-se de um comportamento do consumidor mais consciente, que deve se tornar mais latente também nos vinhos e outras bebidas. Há uma procura maior por produtos veganos à medida que mais consumidores querem saber o que está por trás do que comem e bebem. Quando têm mais informações, eles podem decidir por não consumir produtos de origem animal, por exemplo", explica.
Para a especialista, os selos de produto vegano — tal como de orgânico ou biodinâmico — estão muito alinhados com essa nova consciência. "O consumidor só ganha com isso, quanto tem mais informação sobre o que está consumindo", afirma.
Pouca gente sabe, mas muitos dos vinhos (embora sejam basicamente suco de uva fermentado, portanto um produto à base de plantas), usam ingredientes de origem animal em seu processo final. Conhecido como clarificação ou calagem, trata-se de um método de filtragem antes do vinho estar estabilizado e ser engarrafado, como explica Monteleone. O processo ajuda a tirar o sedimento e partículas do vinho, tornando-o mais "brilhante" e límpido. Muitos produtores, no entanto, ainda usam agentes tradicionais de "clarificação" que derivam de animais, como clara de ovo (albumina), gelatina (de origem bovina ou suína) ou caseína (um derivado do leite).
O que os produtores de vinhos veganos fazem é usar substitutos desses produtos por outros livres de animais, como a bentonita, uma forma de argila, ou outros que sejam provenientes de vegetais, como a ervilha. É a proteína da leguminosa que é usada pela Poças, vinícola portuguesa conhecida pela produção de vinhos do Porto, para produzir seus rótulos da linha Fora de Série, que tenta trazer vinhos diferenciados e inovadores ao mercado. Usamos um tipo de pó da ervilha que nos permite retirar, de forma fácil e sem uso de animais, toda a suspensão que pode haver nos tanques no processo final de vinificação", explica André Barbosa, enólogo da Poças.
Para ele, a onda dos vinhos veganos está muito relacionada a uma tendência de produção de vinhos com menos intervenção, em que os cuidados ambientais — e, portanto, com o bem-estar animal — é um fator decisivo para muitos consumidores. "No nosso caso, que tentamos fazer nossos vinhos de forma mais natural possível, passar para um método de produção 100% vegana foi algo lógico", afirma.
Outras vinícolas, no entanto, buscam se posicionar em um mercado que tende a seguir crescendo. "Em conversas com outros produtores e chefs de cozinha, é unânime a percepção do potencial que esse segmento tem", afirma Pedro Pintão, diretor comercial da Poças. Segundo ele, por uma pressão do mercado por produtos mais "amigos do meio ambiente" e também pela demanda do consumidor. "Nos restaurantes, já se tornou algo muito estabelecido. E quando se vai provar um menu com essas características, o vinho também precisa acompanhar", diz ele.
Pintão diz que os mercados europeus estão cada vez mais interessados nos rótulos veganos que eles produzem. "Embora haja uma tendência dos consumidores buscarem vinhos mais transparentes, há ainda muita confusão sobre orgânicos, veganos, etc". Como muitos mercados (como o Brasil) não exigem que ingredientes ou processos de vinificação sejam listados nos rótulos, fica ainda mais difícil para o consumidor: só porque um vinho é orgânico, biodinâmico ou natural não significa que também seja vegano.
Nesse sentido, os selos e certificações podem ajudar a dar um norte na hora de escolher o vinho na prateleira ou na mesa do restaurante — e facilitar a vida do consumidor. No Brasil, a vinícola Miolo, por exemplo, conta com o selo da The Vegan Society (a mais antiga sociedade vegana do mundo) para atestar sua produção.
Uma das pioneiras na produção vegana no país — que também exclui vegetais mais propensos a causar alergias e intolerâncias, como trigo, amendoim, soja e outras oleaginosas —, a empresa já mantém todos os seus vinhos e espumantes produzidos em método vegano. Optamos pela elaboração de produtos em linha com as tendências de consumo atuais, onde as pessoas procuram cada vez mais produtos livres de derivados de origem animal ou alergênicos", explica Adriano Miolo, enólogo e diretor superintendente.
Para algumas outras vinícolas, ser mais amiga dos animais pode indicar também banir o uso de cera de abelha (usada para selar garrafas) e rolhas aglomeradas (que usam colas à base de leite, por exemplo). Pouco a pouco, estas informações ficam mais presentes nos rótulos, para esclarecer os métodos de produção ao consumidor. "Espero que seja mais que uma tendência e que, a partir de suas preferências, as pessoas possam saber melhor sobre aquilo que estão consumindo", conclui Monteleone.
Fonte UOL