A alimentação segura é essencial para promover a saúde humana e erradicar a fome. GFI quer garantir a segurança de produtos à base de plantas.
O Dia Mundial da Segurança dos Alimentos foi criado pela ONU em 2018 e é celebrado todo 7 de junho. O principal objetivo da data é chamar a atenção para a importância de todos os seres humanos terem acesso a alimentos seguros, além de fortalecer esforços para prevenir, detectar e gerenciar perigos de origem alimentar.
O acesso a quantidades suficientes de alimentos seguros e nutritivos é fundamental para sustentar a vida e promover a boa saúde. Apesar de ser um direito, o acesso à alimentação adequada ainda não é a realidade de muitas pessoas no planeta. Por isso, o tema da campanha de 2022 é “Alimentação Segura, Melhor Saúde”.
Segurança alimentar e segurança dos alimentos são dois conceitos que vêm ganhando destaque no debate público, especialmente no contexto da pandemia da COVID-19. Os termos são parecidos e estão correlacionados, mas têm significados diferentes: segurança alimentar é a garantia que todas as pessoas tenham acesso aos alimentos, com fornecimento estável, abastecimento assegurado e distribuição equitativa. Já a segurança de alimentos trata de garantir que os alimentos consumidos pelas pessoas sejam seguros e livres de contaminação, ou seja, não causem nenhum efeito adverso à saúde dos consumidores, quando consumidos de acordo com o seu uso pretendido.
Não existe segurança alimentar sem segurança dos alimentos e, como cita o novo guia da FAO/OMS para o Dia Mundial da Segurança dos Alimentos, “se não for seguro, não é alimento”. Segundo a FAO, quase uma em cada três pessoas no mundo, ou 2,37 bilhões de pessoas, não teve acesso à alimentação adequada em 2020 – um aumento de quase 320 milhões de pessoas em relação ao ano de 2019.
O trabalho do GFI pela segurança dos alimentos
Os setores de alimentos feitos de planta (plant-based) e carne cultivada estão presentes em muitos dos drivers e tendências analisados pelo estudo da FAO “Pensando no futuro da segurança de alimentos – um relatório prospectivo”. Além dessas alternativas mais “populares”, a produção de algas marinhas e macroalgas e a produção de micoproteínas (derivadas de fungos filamentosos) também são citados pelo relatório como segmentos em expansão.
A indústria de alimentos à base de plantas pode não só ajudar na transição para um sistema alimentar global mais sustentável, saudável, ético e justo, mas também pode ajudar a evitar que crises relativas à segurança dos alimentos continuem surgindo. Isso porque produtos de origem animal (como ovos, peixes, frutos do mar, carne crua, leite e derivados), quando mal manuseados, se tornam fontes de transmissão de DTAS, e a adoção de uma dieta baseada em plantas poderia minimizar essas contaminações.
Além disso, o consumo de proteínas alternativas vai continuar crescendo e, como indica relatório do GFI (que prevê os requisitos globais de volumes de produção relativos à colheita, ingredientes, infraestrutura e investimentos para o setor em 2030), a indústria vai precisar se preparar e se adaptar para suprir a demanda.
Pensando nisso, o The Good Food Institute Brasil está trabalhando diretamente em duas iniciativas para contribuir com a segurança de alimentos das proteínas alternativas. A primeira iniciativa trata-se de um estudo de segurança de alimentos aplicado para carne cultivada. Este estudo, iniciado recentemente, está sendo realizado na UNICAMP por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores e sob a coordenação do professor Dr. Anderson S. Sant’Ana. O objetivo final do estudo é estabelecer um plano de segurança de alimentos que aborde os aspectos de qualidade e segurança da produção de carne cultivada usando como base as recomendações do Codex Alimentarius.
Além desta iniciativa, em maio o GFI lançou umaa chamada para o desenvolvimento de um outro estudo sobre segurança de alimentos, porém voltado para produtos plant-based. Por isso,convidamos pesquisadores, empresas e instituições interessadas a enviarem suas propostas até o dia 9 de junho. Estes dois trabalhos, , que terão duração de 4 e 5 meses, vão contribuir para geração de subsídios técnicos e científicos para orientar as futuras ações de legisladores, pesquisadores, professores, produtores e empresários do segmento.
Em comparação aos produtos de carne convencional, as alternativas à base de plantas geralmente são compostas por uma diversidade maior de ingredientes – as proteínas vegetais, por exemplo, variam entre leguminosas, pulses, sementes, cereais e tubérculos, e as gorduras costumam vir de um combinação entre óleos (como de canola, coco, soja e girassol), manteiga de cacau, etc.
A diversidade de ingredientes nos produtos plant-based é uma vantagem, porque possibilita o ajuste da composição para alcançar as necessidades tecnológicas, funcionais e sensoriais desejadas, mas também pode gerar um ponto de atenção, porque aumenta o número de fontes de onde perigos podem surgir. Além disso, apesar da indústria de alternativas à base de plantas ter nascido fortemente associada à de produtos animais, as considerações de segurança entre elas são bem diferentes. O desafio de hoje é identificar todos os potenciais riscos para superá-los e quanto mais informações científicas, melhor. Por isso, o GFI vem trabalhando em parceria com o governo, municiando as equipes técnicas do Mapa e da Anvisa com dados essenciais para o processo regulatório dos produtos plant-based no Brasil.
O que mais precisamos saber sobre Segurança de Aimentos? Incidentes locais, efeitos globais
Além de essencial para a saúde humana, a produção de alimentos seguros também reduz o desperdício, preserva recursos, beneficia a economia, cria mercados nacionais prósperos, exportações estáveis e reduz a pressão sobre os sistemas de saúde. A segurança dos alimentos é afetada pela saúde dos animais, das plantas e do ambiente em que eles são produzidos; por isso, o problema deve ser tratado de forma holística, onde o planeta é visto como um sistema único e complexo.
Hoje, qualquer incidente na cadeia de suprimento de alimentos pode desencadear efeitos negativos não só regionais, mas globais. De acordo com a ONU, embora o vírus da COVID-19 não seja transmitido por alimentos, a pandemia colocou em destaque muitas questões relacionadas a eles, como higiene, resistência antimicrobiana, doenças zoonóticas, mudanças climáticas e até fraude alimentar.
O momento também possibilitou identificar vulnerabilidades no sistema de produção e controle de alimentos, onde a dinâmica das cadeias de abastecimento em nível global e local é de extrema importância para a preservação dos meios de subsistência, e mostrou que um planejamento realizado com antecedência é indispensável para a funcionalidade do setor.
Questão de saúde pública
Doenças transmitidas por alimentos (DTA) são causadas pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados por bactérias, vírus, parasitas ou substâncias químicas nocivas. No Brasil, a maioria das DTAs são causadas por bactérias (principalmente Salmonella, Escherichia coli e Staphylococcus).
Existem mais de 200 tipos de DTAs no mundo, que variam de leves a muitos graves, podendo levar à morte. Elas afetam desproporcionalmente populações economicamente vulneráveis, mulheres, crianças, grupos afetados por conflitos e migrantes, além de criar um ciclo vicioso de doenças e desnutrição em bebês, crianças, idosos e doentes.
Nas últimas duas décadas, as DTAs têm emergido como um problema crescente de saúde pública e econômico em muitos países. Segundo estudo do Banco Mundial, US $110 bilhões são perdidos a cada ano em produtividade e despesas médicas resultantes da ingestão de alimentos inseguros em países de baixa e média renda. De acordo com a OMS, a cada ano, na região das Américas, 77 milhões de pessoas sofrem de DTAs e mais de 9 mil morrem por esse motivo. Do total de pacientes, 31 milhões são menores de 5 anos, dos quais mais de 2 mil morrem.
A nível global, a estimativa é de que ocorram 600 milhões de casos de DTAs por ano e que 420 mil pessoas morram após ingerir alimentos contaminados. Dessas mortes, 125 mil são de crianças menores de 5 anos, que correm um risco maior de desnutrição e mortalidade pela ingestão de alimentos inseguros.
A notícia animadora é que essas doenças são preveníveis e todos têm um papel crucial para ajudar a evitá-las – seja cultivando, processando, transportando, armazenando, vendendo, comprando, preparando ou servindo alimentos. A notícia preocupante é que o problema pode se agravar neste século por causa dos desafios globais que estamos enfrentando, como crescimento populacional, urbanização, aumento da pobreza, esgotamento de recursos, mudanças climáticas e aumento da exportação de alimentos e de rações animais.
Para evitarmos esse cenário e alcançarmos os objetivos da Agenda 2030 da ONU, os sistemas agroalimentares precisam passar a fornecer dietas produzidas de forma sustentável que sejam seguras, acessíveis e saudáveis para todos. Essa transição é urgente, mas só será efetiva se for executada com intensa cooperação internacional.
Segurança de alimentos no mundo de amanhã
Em março deste ano, a FAO publicou o relatório “Pensando no futuro da segurança de alimentos – um relatório prospectivo”. Nele, cientistas identificam e analisam os principais fatores (drivers e tendências) que vão moldar o futuro dos sistemas agroalimentares e, consequentemente, impactar na segurança dos alimentos e na segurança alimentar global. Tais fatores são: mudanças climáticas, urbanização e agricultura urbana, novas fontes de alimentos e novos sistemas de produção, mudança do comportamento e de preferências do consumidor, inovação científica e avanços tecnológicos, microbioma, economia circular e fraude alimentar.
Através de uma avaliação minuciosa de quais oportunidades e desafios essas categorias devem apresentar, o relatório coleta o máximo de informações para que seja possível prever os próximos contratempos relativos à segurança do sistema agroalimentar e, assim, planejar medidas preventivas e ações de controle.
Ciência, indústria e governos
A complexidade da cadeia de produção de alimentos (os inúmeros ingredientes, fornecedores, distribuidores, transportadores, revendedores, etc) aliada ao comércio cada vez mais internacional, traz uma dificuldade inédita para a gestão de segurança dos alimentos. Por isso, é essencial que os diferentes atores da área exerçam seu papel. Cientistas da área de alimentos (como bromatologistas, microbiologistas, veterinários, médicos, toxicologistas e outros profissionais) devem ser ouvidos sobre quais práticas de produção, processamento, manipulação e preparação são necessárias para tornar os alimentos seguros.
Os governos devem ter como prioridade minimizar as interrupções nas cadeias de fornecimento de alimentos seguros e a colaboração multissetorial, em nível local, nacional e global precisa ser feita através de ações transparentes e eficazes entre saúde pública, saúde animal, indústria e agricultura. As políticas agrícolas, alimentares, comerciais e de desenvolvimento industrial precisam promover a segurança dos alimentos e as normas e práticas de segurança devem ser aplicadas em toda a cadeia alimentar – da produção primária, transporte, processamento e distribuição até à venda e consumo.
Já instituições de ensino e locais de trabalho podem envolver seus colaboradores e famílias, incluindo a educação em segurança de alimentos nas políticas de bem-estar. O manual “Cinco chaves para uma alimentação mais segura”, da OMS, é um material simples e didático que pode ajudar nas campanhas de conscientização. Seja à nível individual ou global, a alimentação segura é essencial para promover a saúde humana e erradicar a fome e, por isso, deve nortear todas as nossas ações.