A biotecnologia vai aprimorar o trabalho da natureza, fazendo com que a nossa mesa seja mais nutritiva, plena de alimentos que também trazem múltiplos benefícios à nossa saúde. É um fato, embora até pouco tempo atrás, falar de alimentos geneticamente modificados teria sido considerado como total inépcia!
Vamos falar de tomates! Desde tempos imemoriais nos acostumamos com tomates de cor vermelha. Tanto na casca, quanto na polpa. Mas, atenção, vem aí o tomate roxo. Por que roxo? A cor roxa indica que o alimento é rico em antocianinas, um tipo de antioxidante que melhora as funções das veias e reduz a formação de placas de gordura nas artérias, além de diminuir os níveis de colesterol “ruim” (LDL) no sangue, prevenindo doenças como derrame, infarto e aterosclerose. Os antioxidantes neutralizam os “radicais livres”, moléculas que agem continuamente no organismo, podendo desencadear danos celulares responsáveis pelo desenvolvimento de câncer e certas doenças crônicas.
Pensando nos benefícios decorrentes da presença de antocianinas e outras substâncias benéficas em alimentos, um grupo de cientistas liderado pela Dra. Cathie Martin (John Innes Centre, Reino Unido) têm se dedicado a pesquisar a relação entre dieta e saúde e como as diversas culturas podem ser fortificadas para melhorar as dietas e enfrentar o desafio global da escalada de doenças crônicas. Como pode ser facilmente depreendido, esse tipo de estudo é claramente multidisciplinar, envolvendo pesquisadores clínicos e epidemiológicos - como médicos e nutricionistas -, engenheiros agrônomos melhoristas de plantas, engenheiros metabólicos e médicos, para desenvolver alimentos que ajudam a manter a saúde, levando a um envelhecimento saudável e reduzindo o risco de doenças crônicas. O grupo de pesquisa mantém seu foco assestado em plantas que contêm compostos químicos considerados como “medicamentos naturais” contidos em alimentos.
O grupo da Dra. Cathie desenvolveu o tomate roxo, o qual possui um teor 10 vezes maior de antocianinas do que os tomates tradicionais. Para tanto, usando ferramentas da biotecnologia, os cientistas transferiram dois genes existentes em plantas de flor-crânio-de-dragão (do gênero Antirrhinum), conhecida pelo nome em inglês de snapdragon. Os genes atuam apenas nos frutos, onde ocorre um aumento no teor de antocianinas. A tecnologia foi licenciada para uma empresa privada, que pretende não apenas distribuir sementes para horticultores, como adentrar no processamento desse tipo de tomate, oferecendo uma gama de produtos para outras empresas de alimentos ou diretamente aos consumidores.
Um dos aspectos que chamou a atenção dos cientistas durante os testes com o tomate roxo, é que os camundongos de laboratório - usados como cobaias - aumentaram a sua longevidade em 30%, quando comparados aos demais camundongos que consumiram o tomate tradicional. Também foi observado que houve duplicação no chamado “tempo de prateleira”, ou seja, o tempo em que o tomate pode ser consumido entre a colheita e o consumo. Esse fato é muito significativo por diminuir perdas e desperdício, reduzir o preço do tomate e a necessidade de produção pelo melhor aproveitamento das colheitas.
Interessados em pormenores do estudo podem acessar o link nature.com/articles/nbt.1506, “Enrichment of tomato fruit with health-promoting anthocyanins by expression of select transcription factors”.
Ademais, é perfeitamente viável introduzir a característica de alto teor de antocianinas em cultivares de tomate comercial, mantendo o sabor preferido dos consumidores. Não apenas o sabor, mas outras características benéficas do tomate são preservadas. Exemplificando, o tomate é naturalmente rico em licopeno, considerado o carotenoide que possui a maior capacidade antioxidante. Estudos demonstraram que o licopeno protege moléculas de lipídios, lipoproteínas de baixa densidade, proteínas e DNA contra o ataque dos radicais livres, tendo um papel essencial na proteção contra determinadas doenças. Ou seja, um típico alimento funcional que, além de nutrir, beneficia a saúde.
O tomate é o único exemplo? Não, há inúmeros alimentos funcionais, com a caraterística de benefícios à saúde, além de suas propriedades nutricionais. Um exemplo clássico é o vinho. É muito conhecido o chamado “paradoxo francês”, vez que a população francesa ingere gordura em excesso e, no entanto, a incidência de mortalidade por doença coronariana é igual a de países mediterrâneos, cuja dieta tem menor consumo de gorduras saturadas e maior porção de frutas e vegetais. Esse fenômeno - o paradoxo francês - é atribuído ao consumo de vinho tinto. Uma substância chamada resveratrol, que é um flavonoide, é responsável por parcela ponderável dos benefícios do vinho: antioxidante, cardioprotetor, antiviral e redutor do risco de câncer, além de retardar o envelhecimento da pele. Entrementes, além do resveratrol, o vinho tinto tem antocianinas, ácido elágico, catequina, quercetina, pterostilbeno, licopeno, luteína e betacaroteno, que também atuam como antioxidantes.
Querem mais? Já estão no mercado, ou na rampa de lançamento, alimentos que trazem benefícios ao consumidor que foram obtidos pela utilização de modernas ferramentas da biotecnologia avançada. Por exemplo, a maioria das pessoas não aprecia frutos que mudam de coloração quando cortados e expostos ao ar. O escurecimento ocorre pela ação da enzima polifenol oxidase. Para evitar o problema, foram desenvolvidas variedades de maçã que não mudam de cor, mesmo tendo decorrido muito tempo após o corte.
O mesmo ocorre com batatas, pois ninguém gosta de batatas que escurecem após o corte. No mercado desde 2015, a batata OGM desenvolvida pela J.R. Simplot foi projetada através de um método de silenciamento de genes chamado RNA de interferência (RNAi). Essa técnica de engenharia genética resulta em uma batata que esconde os sintomas de “hematomas escuros”. Atualmente, as batatas transgênicas estão sendo comercializadas sob a marca Simplot Innate, encontrada sob a marca White Russet. O mais importante é que esse tipo de batata, quando frita, produz muito menos acrilamida, que é uma substância suspeita de aumentar o risco de causar determinados tipos de câncer. Porém, cuidado! O escurecimento é a maneira mais visível da natureza informar que um produto está apodrecendo. “Os OGMs que usam o RNAi para mascarar os sinais de ‘hematomas escuros’ podem levar os consumidores a ingerir inadvertidamente um produto tóxico e não saudável”, diz Megan Westgate, diretora executiva do Projeto Não-OGM.
Já existem abacaxis de polpa rosada que possuem essa coloração porque contém teores elevados de licopeno. São mais doces do que os convencionais, inclusive melhorando o sabor da piña colada. Novos cultivares de laranja já incorporam altos teores de antocianinas com efeito antioxidante. Para os consumidores que preferem óleo de canola, já existem cultivares dessa oleaginosa com altos teores de ômega 3, um componente que possui ação anti-inflamatória e ajuda a controlar os níveis de colesterol sanguíneo.
Novos cultivares de trigo incorporam genes com até três vezes mais fibras do que o convencional, favorecendo a microbiota intestinal. Também foram desenvolvidos cultivares de banana com alto teor de vitamina A, que é a mesma característica do arroz dourado, um tipo de cereal que foi desenvolvido para combater a cegueira infantil, causada por deficiência de vitamina A.
Em resumo, estamos no limiar de uma nova era, em que a biotecnologia vai aprimorar o trabalho da natureza, fazendo com que a nossa mesa seja mais nutritiva, plena de alimentos que também trazem múltiplos benefícios à nossa saúde.
Mais uma vez, cuidado. Esses produtos que são vegetais e, consequentemente, se encaixam perfeitamente em uma alimentação plant-based, não são 100% isentos de riscos.
Fonte: Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Agrosustentável.