Detentor da maior biodiversidade do mundo, com cerca de 20% de todas as espécies conhecidas, o Brasil tem na bioeconomia um de seus maiores potenciais econômicos. Estudo recente organizado pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) aponta que o desenvolvimento da bioeconomia pode resultar em faturamento industrial adicional de US$ 284 bilhões por ano até 2050.
Para isso, seria necessário implementar ações complementares para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE), consolidar o papel da biomassa na matriz energética e elétrica do país e intensificar as tecnologias biorrenováveis.
Essas ações, de acordo com o levantamento, que foi realizado em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), demandariam investimentos de US$ 45 bilhões.
O uso eficiente e sustentável dos recursos biológicos cria oportunidades de negócios, promove o desenvolvimento econômico e social e contribui para a consolidação da economia de baixo carbono, mas os benefícios não param por aí.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a bioeconomia pode impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico, criando produtos de maior valor agregado, atraindo investimentos e colocando o país na liderança global nessa agenda.
Para isso, é fundamental que o país crie uma estrutura de governança bem definida, capaz de promover a bioeconomia em todos os seus aspectos – o que envolve regulamentação, inovação e investimentos.
“Uma política sobre bioeconomia deve ser capaz de estimular mais investimento em ciência, tecnologia e inovação, por meio de políticas de apoio ao desenvolvimento privado e à cooperação internacional. A rede de inovação existente no país precisa ser expandida, integrando os diferentes atores. Em resumo, são necessárias ações coordenadas que priorizem o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação, o estabelecimento de um ambiente regulatório equilibrado e a valorização de modelos de negócio de impacto”, aponta o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.
Recursos executados pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para promover diferentes iniciativas em bioeconomia chegaram a quase R$ 200 milhões em 2022. Para 2023, somente a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) já anunciou a disponibilização de R$ 40 milhões para fomentar pesquisas de base relacionadas ao tema.
São recursos para startups, empresas e centros de pesquisa inscreverem projetos na área nos segmentos de química de renováveis, produção de bioenergia, cosméticos, produtos de higiene e fármacos, moléculas para doenças na agricultura, tecnologias para biorrefinarias e sistemas agroflorestais e manejo sustentável.
Na nova estrutura do governo federal, ao menos quatro ministérios criaram secretarias específicas relacionadas à agenda de bioeconomia. São eles: Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); Agricultura e Pecuária (MAPA); e Povos Indígenas (MPI). Na avaliação da CNI, as ações dessas pastas precisam ser coordenadas e devem envolver a participação de outros atores importantes, como governos estaduais e municipais e a sociedade civil, incluindo a indústria.
“A governança inclui um escopo de atuação bem definido, assim como delineamento de objetivos realistas e instrumentos estruturantes. O poder executivo deve definir um órgão para liderar as discussões que seja imparcial e tenha clareza quanto aos resultados a serem alcançados”, destaca Bomtempo.
No Legislativo, há diferentes propostas em tramitação sobre políticas voltadas à bioeconomia. Duas delas, os Projetos de Lei (PL) 1.855 e 150, ambos de 2022, sendo que o primeiro propõe uma política nacional para o desenvolvimento da economia da biodiversidade, e o segundo uma política nacional de bioeconomia. As duas propostas preveem uma governança bem estruturada, cujos detalhes serão definidos em regulamento posterior.
As possibilidades da bioeconomia se estendem a atividades e setores bastante diversificados, que vão desde atividades agrícolas e extrativistas até alta tecnologia e inovação aplicados na indústria.
Segmentos como o de químicos, energias renováveis, tecnologia de biorrefinarias, fármacos e cosméticos, suplementos alimentares, agricultura sustentável, desenvolvimento de biodefensivos, biofármacos para doenças humanas e animais e reaproveitamento de resíduos industriais são alguns dos campos de grande potencial.
A cana-de-açúcar é um exemplo do potencial que os investimentos em ciência e tecnologia podem agregar à bioeconomia. Atualmente, essa cadeia produtiva resulta em sete produtos: açúcar, etanol, rum, cachaça, pellets (combustível sólido de granulado de resíduos de bagaço de cana), eletricidade e biogás.
Entretanto, com investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), seria possível desenvolver pelo menos outras onze categorias de produtos: bioplásticos, corantes, ácidos orgânicos, aminoácidos, lubrificantes, fármacos, enzimas, fragrâncias, cosméticos, detergentes e solventes.
Outro exemplo é o setor de base florestal plantada. Atualmente, o segmento produz principalmente celulose, papel, pisos, painéis, carvão vegetal, pellets e eletricidade. Entretanto, é possível ampliar a escala ou desenvolver outros produtos como lignina, etanol celulósico, bioplásticos, nanofibras e bio-óleo, além de tornar viável alternativas a materiais metálicos, plásticos, telas de LCD e outros.
Outro campo a ser bastante explorado é o das proteínas alternativas, que prometem ser uma solução sustentável para aumentar a produção de alimentos e reduzir as emissões.
O Brasil, embora venha desenvolvendo esse mercado há pouco tempo (cerca de seis anos), já exporta produtos para mais de 30 países, segundo a organização The Good Food Institute (GFI).
“Identificamos em torno de 140 empresas, incluindo startups e grandes corporações, atuando nesse segmento. Entre os anos de 2018 e 2022, mais de 130 produtos vegetais (plant-based) foram lançados, incluindo carnes, ovos, leites e derivados análogos”, aponta Gustavo Guadagnini, presidente do GFI Brasil.
Dados do instituto indicam que 2021 foi um ano de investimento recorde nesse setor. A análise mostrou que empresas globais receberam US$ 5 bilhões em investimentos no período, número 60% maior que os US$ 3,1 bilhões registrados em 2020.
O Brasil também avança no desenvolvimento de carne cultivada. Em Salvador, o SENAI CIMATEC criou um produto feito a partir de células-tronco extraídas de carne bovina e impresso em 3D em uma bioimpressora. E a Embrapa apresentou um protótipo de carne cultivada - um pedaço de frango semelhante ao sassami - que deve estar pronto para análises nutricionais e sensoriais até o final de 2023.
De acordo com o diretor de Tecnologia e Inovação do SENAI CIMATEC, Leone Andrade, a intenção não é substituir a carne de verdade, principalmente a bovina, mas oferecer uma alternativa a mais para o mercado.
“Antes mesmo de termos 100% da tecnologia dominada já buscamos interagir com empresas e indústrias para que, conjuntamente, sejam feitas as etapas finais de desenvolvimento para que, logo em seguida, esses nossos parceiros coloquem os produtos no mercado”, destaca Guadagnini. O prazo estimado pelos cientistas para que isso ocorra é de ao menos cinco anos.
A proteína feita em laboratório, além de uma oportunidade de negócio para a indústria alimentícia, é uma alternativa ao desafio da segurança alimentar que pode ser fomentada com tecnologia.
Segundo o GFI, as empresas de carne e frutos do mar cultivados garantiram US$ 1,4 bilhão em investimentos em 2021 – o maior capital levantado em qualquer ano na história do setor e mais de três vezes os US$ 400 milhões arrecadados em 2020.
“O mercado de proteínas alternativas vegetais (plant-based) já está bastante desenvolvido, em fase de aprimoramento de produtos a fim de que sejam cada vez mais saudáveis, clean label, acessíveis, e, principalmente, deliciosos. Esse é um mercado que vai crescer e se integrar à rotina alimentar das pessoas, com produtos para diferentes momentos de consumo: do café-da manhã ao jantar. A grande aposta do momento é, sem dúvida, a carne cultivada, que é carne de verdade, mas produzida sem necessidade de criar ou abater animais. Singapura é até o momento o único país a ter regulado esse setor, com produtos já em fase de comercialização”, complementa o presidente do GFI.
Atualmente, a maior parte dos insumos utilizados na produção das proteínas alternativas vegetais são importados e 84% das empresas que atuam nesse mercado gostariam de ter mais ingredientes nacionais à disposição.
“Isso demonstra que há espaço para o desenvolvimento de pesquisas dedicadas a identificar espécies nativas com potencial de serem utilizadas na formulação de ingredientes e produtos”, completa Guadagnini.
Fonte: Portal da Industria