Puxado pelo aumento no consumo, setor já tem mais de 100 empresas e exporta para cerca de 30 países. Preço, ingredientes e escala, porém, ainda são desafios
Pouco mais de quatro anos depois de ser lançado no Brasil, o mercado de substitutos à base de plantas para produtos de origem animal ruma para superar a marca de R$ 1 bilhão em vendas no varejo. Fortalecido pela alta no consumo e pela entrada de gigantes da indústria da carne como JBS e BRF, o setor plant-based faturou R$ 821 milhões em 2022, um crescimento de 42% em relação ao ano anterior.
É o que apontam dados da plataforma Passport da Euromonitor divulgados pelo The Good Food Institute (GFI), organização que trabalha para acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas. Os números ainda mostram que, no Brasil, o comércio de bebidas vegetais similares ao leite alcançou R$ 612 milhões no varejo em 2022 – alta de 15%.
O mapeamento indica que o mercado de proteínas alternativas tem pelo menos 107 empresas no país e já exporta para cerca de 30 países. Camila Lupetti Carvalho, especialista de dados e de engajamento corporativo do GFI, destaca que houve um salto nos últimos dois anos, com empresas diversificando a linha de produtos e grandes players, como JBS e BRF, lançando marcas próprias dedicadas ao segmento.
“A entrada das maiores produtoras de carne do mundo neste mercado mostra que há mais espaço para crescer. Também reforça que os produtos animais e plant-based vão coexistir na mesa das pessoas porque há momentos que vai se preferir carne animal e, noutros, a alternativa vegetal. Este é um mercado do ‘e’ e não do ‘ou’, e isso tudo traz um amadurecimento importante para que o setor cresça ainda mais”, afirma.
Ela ressalta que o fato de o mercado plant-based estar mais avançado nos Estados Unidos e na Europa permite antecipar desafios do setor no Brasil, como um possível cenário de platô depois de um crescimento vertiginoso.
“É esperado que essa estabilização ocorra no Brasil em algum momento, mas essa hora ainda não chegou. Afinal, há muitos consumidores que ainda sequer ouviram falar dos produtos plant-based”, diz.
Para entender melhor o público que consome as alternativas vegetais, o GFI tem realizado pesquisas de opinião – a mais recente ocorreu em meados de 2022. Financiado com apoio de empresas plant-based, o levantamento entrevistou 2.500 pessoas das classes ABC em todas as regiões do país e concluiu que 67% dos brasileiros diminuíram o consumo de carne.
Entre os motivos da redução, estão o aumento no preço da carne (45% das respostas) e a preocupação com a saúde (36%), como melhorar a digestão, reduzir o colesterol ou perder peso. A pesquisa ainda apontou que 28% do público já se define como flexitariano – quer reduzir, sem excluir por completo, o consumo de produtos de origem animal.
O estudo do GFI também indicou que 46% dos consumidores que diminuíram a carne animal no prato pretendiam manter esse nível de consumo em 2023, enquanto outros 47% afirmaram ter a intenção de reduzir ainda mais a quantidade ingerida.
“O público vem diminuindo o consumo de carne, mas ainda quer sabor e saudabilidade. Por isso, os produtos precisam ser deliciosos e, ao mesmo tempo, entregar características como qualidade nutricional, número mínimo de ingredientes e não passar a sensação de que é algo artificial”, observa Camila.
Desde 2019, quando iniciou sua ascensão no Brasil, o mercado plant-based tem se destacado por mesclar lançamentos com uma dedicação constante em aprimorar seus produtos em busca de sabor, textura e experiência cada vez mais similares aos feitos com proteína animal. Neste ano, porém, o maior foco das marcas tem sido expandir o portfólio.
Pioneira no setor, a Fazenda Futuro acrescentou ao hambúrguer uma linha com versões vegetais para carne moída, almôndega, linguiça, frango e atum. Em julho de 2023, estreou nas bebidas ao lançar um similar ao leite à base de aveia. São cinco versões, desde a original – mais neutra e parecida com o leite de vaca – até as saborizadas, como baunilha e chocolate, e as especiais, como a barista e outra para uso em receitas.
Recentemente, a empresa, que foi fundada em 2019, afirmou que expandirá a linha para produtos como mel, queijo, manteiga e iogurte. Atualmente, os produtos da Fazenda Futuro são vendidos em cerca de 10.000 pontos de venda no país e exportados para 30 países — Inglaterra e Estados Unidos são os principais mercados no exterior.
A chegada de gigantes da carne também aqueceu o setor. A JBS lançou por meio da Seara uma linha de produtos chamada ‘Incrível!’ que, em 2022, se tornou um negócio independente. Hoje, são mais de 20 itens no portfólio, desde pratos prontos e snacks até versões vegetais de frango, carne bovina e peixe. Uma das mais recentes novidades da empresa foi a introdução, em maio deste ano, de seis opções de pratos prontos congelados, incluindo lasanha, massa, pizza e filés empanados.
Outras grandes empresas do agro têm unido forças para expandir sobre o apetite plant-based do consumidor. É o caso da PlantPlus, criada em maio de 2020 por Marfrig e ADM. Hoje, a foodtech já tem oito produtos, incluindo hambúrgueres, kibe, almôndegas e linguiça, além de abastecer redes de fast-foods e restaurantes como Burger King e Outback.
Dois desses produtos são desenvolvidos em co-branded com a BRF: lanche pronto com hambúrguer de soja e nuggets vegetais à base de proteína de soja e ervilha. Segundo a PlantPlus, a parceria garante que a distribuição se estenda para cerca de 340.000 pontos de venda no Brasil. A partir de setembro, visando expandir os negócios, a empresa fará experimentações para os consumidores em mais de 300 lojas pelo país.
Para ampliar ainda mais sua relevância, porém, o mercado plant-based se depara com algumas dificuldades. Uma delas é a oferta de matéria-prima. O setor ainda depende de ingredientes importados e, por causa do câmbio, isso acaba encarecendo o produto para a indústria e o consumidor.
Outro desafio é comunicacional: como transmitir os diferenciais do produto ao público? “Esta é uma lição de casa que as empresas têm que fazer, pois não adianta ter um produto excelente, orgânico e sem transgênicos se isso não é bem comunicado ao público. A embalagem é que vai dar essa chancela para o consumidor confiar”, ressalta a especialista de dados e de engajamento corporativo do GFI.
Além disso, a indústria plant-based precisa encontrar caminhos para aumentar a escala de produção. Na pesquisa do GFI com consumidores, 53% dos entrevistados disseram não ter encontrado pelo menos uma alternativa vegetal que imita produtos de origem animal nos seis meses anteriores ao levantamento. O recorte regional acentua o desafio: no Nordeste, por exemplo, chegou a 66% dos ouvidos.
Anunciada quase na mesma época que as alternativas vegetais, a carne cultivada – que também é chamada de “carne de laboratório” porque é produzida em biorreatores a partir de células retiradas dos animais – despertou muita curiosidade, mas avança a passos lentos. Esse cenário, associado à dificuldade de reproduzir pedaços de carne animal como os do açougue, faz com que o uso da tecnologia ganhe força para produzir ingredientes.
No Brasil, a startup Cellva trabalha para desenvolver gordura animal a partir de células de porcos. O foco é vender o produto para a indústria de alimentos – inclusive, a empresa já fez testes para incluí-la não apenas em produtos plant-based, visando trazer um sabor e textura diferenciados, mas em biscoitos, caramelo e até chocolate.
Sergio Pinto, fundador e CEO, explica que a tecnologia aguarda aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e a previsão é que isso ocorra até o fim de 2024. Segundo ele, entre as vantagens da “gordura cultivada” estão o bem-estar animal, melhor qualidade nutricional e eficiência na produção.
“Levamos 21 dias para produzi-la, em vez dos 24 meses da carne suína. Além disso, os porcos seguem vivos e não precisamos de grandes áreas de pasto ou granjas. Outro ponto importante é que se trata de um produto de origem animal, mas não transgênico e com uma qualidade nutricional mais alta porque podemos adaptar a alimentação da célula de forma a ter menos ‘gordura ruim’ e melhor perfil de ácidos graxos”, explica.
O executivo ressalta que a startup teve investimento inicial de R$ 1 milhão dos sócios e trabalha há dois anos na tecnologia, que é 100% nacional. Ele também revela que está no radar da Cellva licenciar os ingredientes e a formulação para que a produção possa ser replicada dentro e fora do país.
Fonte: Exame