O setor de lácteos é um tradicional usuário de enzimas. Além da sua utilização na coagulação do leite para fabricação de queijo, a indústria de lácteos também faz uso de enzimas como lipases, proteases não-coagulantes, amino peptidases, lisozima, lactase, e lactoperoxidase. Algumas destas aplicações são tradicionais, como por exemplo, a lipase para realçar o sabor, enquanto outras são relativamente novas, como a hidrólise da lactose para acelerar a maturação dos queijos, controlar a deterioração microbiológica, e alterar a funcionalidade das proteínas.
História e definição
As enzimas foram descobertas no século XIX, aparentemente por Louis Pasteur (1822-1895), que concluiu que a fermentação do açúcar em álcool pela levedura é catalisada por fermentos. Pasteur postulou que esses fermentos (as enzimas) eram inseparáveis da estrutura das células vivas do levedo, declarando que “a fermentação alcoólica é um ato correlacionado com a vida e organização das células do fermento e não com a sua morte ou putrefação”.
Em 1878, Wilhelm Kühne (1837-1900) empregou pela primeira vez o termo “enzima” para descrever este fermento, usando a palavra grega ενζυμον, que significa “levedar”. O termo passou a ser mais tarde usado apenas para as proteínas com capacidade catalítica, enquanto que o termo “fermento” se referia à atividade exercida por organismos vivos.
Em 1897, Eduard Buchner (1860-1917) descobriu que os extratos de levedo podiam fermentar o açúcar em álcool e provou que as enzimas envolvidas na fermentação continuavam funcionando mesmo quando removidas das células vivas. Esta descoberta valeu-lhe o Prêmio Nobel de Química em 1907.
Restava determinar qual a natureza das enzimas. Alguns afirmavam que as proteínas, associadas à atividade enzimática, apenas eram o suporte da verdadeira enzima e, por si próprias, incapazes de catálise.
Em 1926, James Batcheller Sumner (1887-1955) purificou e cristalizou a urease, mostrando tratar-se de uma proteína pura, e fez o mesmo, em 1937, para a catalase. A prova final foi feita em 1930, com o estudo de três enzimas digestivas, a pepsina, a tripsina e a quimotripsina. John
Burdon Sanderson Haldane (1892-1964) escreveu um tratado intitulado “Enzimas”, onde continha a notável sugestão de que as interações por ligações fracas, entre a enzima e seu substrato, poderiam ser usadas para distorcer a molécula do substrato e catalisar a reação. A cristalização de enzimas purificadas permitiu que as suas estruturas moleculares pudessem ser examinadas por cristalografia de raios X, o que aconteceu primeiro com a lisozima, uma enzima que existe na saliva, lágrimas e na clara de ovo e destrói a parede celular de bactérias. Começaram assim a bioquímica e biologia estruturais, que se esforçam por compreender o funcionamento das enzimas a nível atômico.
Quimicamente, as enzimas são proteínas com uma estrutura química especial, contendo um centro ativo, denominado apoenzima e, algumas vezes, um grupo não protéico, denominado coenzima. A molécula toda (apoenzima e coenzima) é dado o nome de haloenzima.
Dependendo do tipo de ligação, o grupo prostético pode ser separado da proteína por métodos brandos, como por exemplo, a diálise. Em alguns casos, as enzimas podem estar ligadas a moléculas orgânicas de baixo peso molecular, ou íons metálicos, cuja função é ativar as enzimas eles ligados, denominados co-fatores.
As enzimas são substâncias sólidas, mas difíceis de serem cristalizadas devido à complexidade de suas estruturas químicas. Com algumas exceções, são solúveis em água e álcool diluído e, quando em solução, são precipitadas pela adição de sulfato de amônio, álcool ou ácido tricloroacético. São inativadas pelo calor e esta, talvez, seja a propriedade mais importante desses compostos em relação a tecnologia de alimentos.
As enzimas são classificadas em seis principais classes: oxidoredutases, transferases, hidrolases, liases, isomerases e ligases. Cada classe é dividida em subclasses que identificam a enzima em termos mais específicos e que são representadas pelo segundo algarismo. O terceiro algarismo define com exatidão o tipo de atividade enzimática e o quarto é o número da enzima dentro
da sua subclasse. As enzimas podem também ser designadas por nomes que obedecem a uma sistemática e são constituídos de duas partes: uma indicando o substrato e a outra indicando a natureza da reação. Como essa nomenclatura também é complexa, as enzimas são geralmente identificadas por nomes triviais, já em uso há muito tempo.
As reações químicas que se processam no organismo são de diferentes tipos e necessitam de catalisadores diferentes. Essas reações são catalisadas por enzimas diferentes, fato que serviu de base à classificação das enzimas, agrupando enzimas que catalisam as mesmas reações em uma mesma classe.
As enzimas são extremamente eficientes. Nos processos industriais, a ação específica das enzimas permite obter altos rendimentos com um mínimo de subprodutos indesejáveis.
Uma molécula de enzima pode catalisar a transformação de muitas moléculas do substrato, por exemplo, a enzima catalase, encontrada abundantemente no fígado, é tão eficiente, que em um minuto uma molécula desta enzima pode catalisar a separação de cinco milhões de moléculas de peróxido de hidrogênio, em água e oxigênio.
Ao contrário da maior parte dos catalisadores inorgânicos, as enzimas trabalham em condições físicas e químicas apropriadas de pH, temperatura, tempo, concentrações de substrato, enzimas e co-fatores; presença ou ausência de íons ativadores ou inibidores. A eficácia de cada enzima depende de ter suas condições ideais respeitadas dentro de certos limites, senão serão ineficazes ou serão destruídos reversível ou irreversivelmente. Muitas enzimas funcionam otimamente a uma temperatura de 30 a 40° C e em ambientes com pH neutro (pH=7). Para certas aplicações foram desenvolvidas enzimas que aceitam temperaturas de trabalho mais elevadas, lembrando que a maioria das enzimas são desnaturadas sob temperaturas acima de 100ºC. É por este motivo, que se costuma dizer que os processos enzimáticos são economizadores potenciais de energia e que eles também poupam investimentos em equipamentos especiais, resistentes a altas temperaturas, pressão ou corrosão.
As enzimas podem ser de origem animal, vegetal e bacteriano, podendo ser produzidas, utilizando-se de técnicas simples ou associadas - de homogeneização e centrifugação diferenciada; de extração e precipitação fracionada; de maceração e precipitação; de exsudação, filtração e secagem; de produção de crescimento bacteriano; de fermentação, etc. Por exemplo, numa produção de enzimas para fins comerciais, usando a fermentação industrial, as condições são totalmente assépticas, o "caldo" de fermentação é superaquecido para formar um meio de nutrientes completamente estéril, que será convertido nas enzimas desejadas pela ação de microorganismos selecionados, na presença de oxigênio. Os microorganismos são bactérias, fungos ou leveduras, que podem conter cada um, mais de 1000 enzimas diferentes. Por este motivo é necessário um longo período de estudos em laboratório, para isolar e selecionar o melhor microorganismo capaz de produzir a enzima desejada com altos rendimentos.
A escolha do "caldo" do microorganismo e das condições operacionais determinarão o tipo e o rendimento da enzima. Aplicam-se processos de centrifugação, filtração e precipitação para separar as enzimas e remover outras partículas sólidas do caldo de fermentação. A biomassa resultante da filtração contém os resíduos de microorganismos e matérias-primas, formando um composto que, às vezes, como já foi mencionado, pode ser um ótimo fertilizante natural.
O ciclo completo de produção, entre esterilização, fermentação e extração, leva de 2 a 10 dias.
As principais enzimas utilizadas em produtos lácteos são apresentadas na Tabela 1.
TABELA 1 - PRINCIPAIS ENZIMAS UTILIZADAS EM LÁCTEOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A preparação enzimática mais conhecida utilizada pelo setor lácteo é o coalho, nome coletivo dado às preparações comerciais contendo proteases ácidas extraídas de tecidos animais. De fato, a produção de queijo com o uso de enzimas exógenas data de 6000 a.C.
O coalho natural, chamado renina, é uma enzima proteolítica secretada pela mucosa gástrica do 4o estômago dos bezerros antes do desmame. Esta secreção é produzida na forma de um precursor inativo, a pró-renina, que em meio neutro não tem atividade enzimática, mas em meio ácido transforma-se rapidamente em renina ativa. O coalho possui duas enzimas: a quimosina e a pepsina. A primeira é o componente principal a qual, após o desmame, tem sua produção reduzida, passando a pepsina a ser o componente majoritário.
A atividade proteolítica do coalho é exercida principalmente sobre a caseína e em menor grau sobre as outras proteínas. Realiza duas ações fundamentais:
Os coalhos comerciais estão preparados para ter uma determinada capacidade coagulante denominada “força”. Expressa-se como a relação entre o volume de leite coagulado por unidade de volume de coalho, em condições determinadas. Assim, as unidades Soxhlet indicam o no de litros de leite coagulado por um litro de coalho em 40 minutos (2.400 segundos) a 35oC. A equação abaixo é utilizada para calcular a força do coalho:
F = 2400 x V / T x v
Nesta equação, F é a força do coalho, V o volume de leite, T o tempo de coagulação em segundos e v, o volume de coalho.
Um dos diversos fatores que influenciam a coagulação enzimática é a dose de coalho utilizada. Nas mesmas condições, a quantidade de coalho adicionado influencia proporcionalmente a velocidade de coagulação e as propriedades reológicas (firmeza) da coalhada.
A temperatura também exerce um papel importante na coagulação. As condições ótimas para a ação do coalho são entre 40ºC e 42oC, já que em temperaturas inferiores a 10oC e superiores a 65oC, não se produz coagulação. A temperatura influi sobre o fenômeno global da coagulação e afeta de diferentes formas cada uma das fases. A fase primária de ação enzimática sobre a κ-caseína pode ser produzida, inclusive, a temperaturas inferiores a 10oC; já a fase secundária, mais sensível, necessita temperaturas superiores para que se produza a coagulação propriamente dita.
O pH influi sobre a velocidade de coagulação e a consistência da coalhada. No meio alcalino, o coalho é inativado e o leite não coagula. Ao contrário, um abaixamento de pH facilita a ação do coalho sobre a caseína, pois a acidez reduz sua carga elétrica, diminuindo a estabilidade da micela. O pH ótimo para a ação do coalho é 5,5. Em condições idênticas, a duração média de coagulação é de cerca de 200 segundos a pH 6,6-6,7; 50 segundos a pH 6,1; e 30 segundos a pH 5,7.
A concentração do íon Ca++ também influencia a coagulação. Não intervém na fase enzimática, somente na fase secundária, a da coagulação propriamente dita. Quando o conteúdo de Ca++ é anormalmente baixo, a coagulação é lenta e se obtém uma coalhada branda. Para evitar este defeito adiciona-se CaCl2.
O conteúdo de fosfato cálcico coloidal também é importante no processo de coagulação, principalmente no que se refere à tensão do gel.
Com o aumento da produção mundial de queijo, a demanda de coalho sofreu um aumento. Ao mesmo tempo, o preço do coalho subiu consideravelmente. Em parte pelo custo crescente para a extração e pela redução de animais lactantes disponíveis. Como consequência desta situação, ocorreu um enorme interesse pelo desenvolvimento e utilização de substitutos para o coalho animal.
Os primeiros coagulantes utilizados como substitutos foram uma mistura de renina e pepsina bovina, extraída de animais sacrificados com mais idade ou de terneiros que tiveram alimentação mista. Depois foram empregados preparados à base de coalho de vaca e pepsina porcina, compostos de pepsina bovina pura ou mesclada com pepsina de porco. As comunidades judias utilizam pancreatina e pepsina de frango. Todas estas enzimas de origem animal são instáveis a pH neutro e alcalino e são inativadas pela ação da luz.
Também se utilizam enzimas coagulantes extraídas de diversos vegetais, como alcachofra, melões, figos, etc. Os resultados obtidos não são satisfatórios porque a ação proteolítica destas enzimas é muito intensa.
Os coalhos de origem microbiana passaram então a ser utilizados cada vez mais como substitutos dos coalhos animais. São preparados extraindo-se as enzimas coagulantes produzidas por alguns microorganismos. Os melhores resultados são encontrados com os mofos do gênero Mucor, mais especificamente, Mucor miehei.
Na prática, independentemente do tipo de coalho utilizado, recomenda-se não diluí-lo até o momento de sua utilização, especialmente o de origem animal, o qual é muito instável a pH neutro ou alcalino. Não deve ser adicionado até a total dissolução do cloreto de cálcio. Deve ser armazenado a frio e em recipiente opaco. Durante sua manipulação deve-se evitar agitação excessiva e formação de espuma.
Na coagulação mista é obtida uma coalhada com propriedades intermediárias, com características diferentes das coalhadas obtidas por um único método de coagulação. O percentual de coalho e a acidificação podem variar dependendo do tipo de queijo que se deseja fabricar.
Obtém-se coalhadas mistas pela ação do coalho sobre um leite mais ou menos ácido e por acidificação de um gel obtido enzimaticamente. Entre outros efeitos, no primeiro caso, a acidez diminui o tempo de coagulação enzimática e, no segundo, a coalhada enzimática sofre uma progressiva desmineralização.
Enzimas de coagulação do leite, coalhos e coagulantes
A primeira preparação comercial padronizada de coalho foi desenvolvida e comercializada pela Chr. Hansen A /S, na Dinamarca, em 1874, e provavelmente foi a primeira enzima comercial de qualquer tipo. Desde então é, por definição, um extrato do abomaso (câmara do estômago, onde ocorre a digestão) de ruminantes, contendo principalmente quimosina, enzima específica para a hidrólise da κ-caseína e para a desestabilização da caseína. No entanto, dependendo da idade dos bezerros a partir do qual é extraído, o coalho pode conter maior ou menor quantidade de pepsina, outra protease ácida com uma ampla gama de substrato de caseína. Tanto a quimosina como a pepsina, assim como todas as enzimas coagulantes do leite utilizadas na tecnologia de fabricação do queijo, são classificadas como proteinases aspárticas pela Comissão de Enzimas (Enzyme Commission - EC) sob o número 3.4.23. Atualmente, como existem no mercado vários tipos e fontes de enzimas de coagulação do leite, a Federação Internacional de Lácteos (International Dairy Federation - IDF) decretou oficialmente que a definição do nome de “coalho” seja reservada para as preparações enzimáticas do estômago de ruminantes, e as outras enzimas de coagulação do leite (principalmente as microbianas) sejam nomeadas “coagulantes”. Na opinião dos tecnólogos, quanto a fabricação do queijo, os coalhos e coagulantes são mais úteis categorizados por sua origem, não apenas para distinguir fontes animais, vegetais, preparações microbianas e OGM, mas também para selecionar a enzima mais adequada para qualquer variedade de queijo especial. Esse é um aspecto muito importante da tecnologia de fabricação do queijo, que afeta a produção do queijo, a vida de armazenamento e sua qualidade final, quanto ao sabor/textura após a maturação. A Tabela 2 apresenta a relação de coalhos e coagulantes disponíveis.
TABELA 2 - PRINCIPAIS TIPOS E FONTES DE ENZIMAS DE COAGULAÇÃO DO LEITE (COALHOS E COAGULANTES) UTILIZADAS NA PRODUÇÃO DE QUEIJOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
* Geneticamente modificados para expressar as copias do gene pró-quimosina do bezerro.
Dos coalhos animais, o de bezerro é amplamente considerado como a enzima ideal para coagulação do leite para fabricação de queijo. Essa preferência decorre da tradicional familiaridade com o produto, mas tem também uma base científica sólida de que o coalho de bezerro possui tipicamente 80% a 90% de quimosina (CE 3.4.23.4). Isso significa que a maioria da quebra de caseína no queijo é dirigida muito especificamente à κ-caseína para coagular o leite, e não a outras caseínas.
Ovinos, caprinos e suínos podem fornecer preparações de coalho enzimaticamente semelhantes ao coalho de bezerro, mas não ideais para a coagulação do leite de vaca. A pasta de coalho é uma forma mais bruta de coalho, feita a partir dos estômagos maceradas do bezerro, cordeiro ou cabrito, que contém lipase pré-gástrica, para adicionar sabor picante ao queijo. É muito usada nos queijos italianos tradicionais.
Muitas plantas produzem proteinases que servem para coagular o leite. No entanto, coagulantes vegetais não são produzidos em escala comercial, mas somente localmente (principalmente em Portugal) para a produção de queijo artesanal.
O coagulante microbiano mais conhecido e mais utilizado é produzido a partir de Rhizomucor miehei (veja Tabela 2). A preparação comercial é uma mistura de aspartil proteinases (CE 3.4.23.23), comercializada em três tipos. A nativa, enzima não modificada (tipo L), é muito estável ao calor e hidrólisa todas as caseínas, e não apenas a κ-caseína. Embora tenha sido usada com sucesso em uma variedade de queijos leves, mais suaves, sua ação proteolítica não específica reduz os rendimentos em queijos duros e semi-duros, causando amargor em queijos de longa maturação. A resistência térmica da enzima é também uma potencial desvantagem nas fábricas de queijos, nas quais o soro do leite é processado como ingrediente alimentício. O tratamento térmico e o processamento não eliminam a atividade do coagulante e podem causar degradação das proteínas em outros produtos alimentícios, onde a proteína de soro de leite é um ingrediente complementar (por exemplo, salsichas, tortas de carne, sopas).
Para superar esses problemas, os produtores de enzimas lácteas desenvolveram versões do coagulante R. miehei (TL e XL) que se destroem no calor, utilizando oxidação química para modificar as cadeias laterais de metionina. Essas enzimas podem ser desnaturadas por pasteurização do soro, e são geralmente menos proteolíticas do que a proteinase nativa. Esses coagulantes são uma boa alternativa para a quimosina produzida por fermentação utilizada na fabricação de queijos “vegetarianos”, mas a textura do queijo torna-se mais rapidamente quebradiça que aquela do queijo feito com quimosina natural. Além disso, o perfil de sabor dos queijos de massa dura feitos com coagulante fungico não é o mesmo do que o do queijo feito com quimosina.
A alternativa para o coalho de bezerro mais utilizada na indústria queijeira no mundo inteiro é a quimosina produzida por fermentação, FPC (Fermentation-Produced Chymosin). É produzida por fermentação em larga escala de Kluyveromyces lactis ou Aspergillus Níger, geneticamente modificados. Em ambos os casos, o microorganismo foi modificado geneticamente, com a incorporação do gene da pró-quimosina do bezerro no organismo hospedeiro como um promotor adequado para assegurar a sua secreção eficiente no meio de crescimento. A enzima é relativamente fácil de colher e purificar a partir da cultura, ao contrário do sistema de produção anterior, que utilizava Escherichia coli e a proquimosina era empacotada em corpos de inclusão, solubilizada, isolada, purificada e tratada com ácido para produzir uma quimosina geneticamente ativa.
As lactoperoxidases
A lactoperoxidase é uma enzima que faz parte da família das peroxidases. Foi descoberta no leite, em 1929, quando se constatou que sob certas condições, o leite não se contaminava. Foi identificada e estudada por B. Reiter e K.M. Pruitt (Biochemistry of peroxidase system: antimicrobial effects). A lactoperoxidase produz principalmente o composto hipotiocianeto, a partir do tiocianato, que está em equilíbrio com a função ácida, HOSCN. O hipotiocianeto é conhecido por ter uma ação sob os grupos SH dos microorganismos.
Os principais compostos antimicrobianos gerados pela lactoperoxidase são compostos conhecidos por serem bactericidas ou bacteriostáticos, dependendo do tipo de bactéria (gram+, Gram-). Os antimicrobianos (OSCN-, OI-) gerados são geralmente viruscidas e fungicos (OI-).
Essa enzima não somente tem propriedades antioxidantes para a detoxificação do peróxido de hidrogênio, como também permite a produção de compostos antimicrobianos. É capaz de catalisar reações na presença de peróxido de hidrogeno, de iodo, de bromo e de tiocianato, produzindo assim os compostos de hipotiocianato (OSCN-), hipoidito (OI-) e hipobromito (OBr-). Essa enzima possui um núcleo férrico e não suporta os tratamentos térmicos. Por isso, pode ser usada como indicador de um tratamento térmico do leite. Sem a presença dos cofatores iodo, tiocianato e bromo, ela detoxifia o peróxido e produz o que se costuma chamar de inibição suícida (se destrói na catalise).
Exemplo de reação (detoxificação do peróxido e catálise do tiocianato) :
H2O2 + SCN- → OSCN- + H2O
A maior parte da lactoperoxidase disponível é extraída do leite de vaca ou do soro do leite, onde está presente em grandes quantidades (50 mg/l). As concentrações mais importantes foram observadas no porquinho-da-índia. Também está presente em todas as mucosas. Em particular, pode ser encontrada na saliva, nas lágrimas, no mucus dos pulmões e na mucosa vaginal.
O sistema lactoperoxidase (lactoperoxidase-tiocianato-percarbonato) é reconhecido pelo Codex Alimentarius como sendo uma alternativa a refrigeração do leite porque permite, a 37°C, conservar o leite sem contaminação microbiana. Assim, dependendo das condições climáticas vigentes no país, ativando essa função pode-se transportar o leite em longas distâncias, em temperatura ambiente. A lactoperoxidase tem sido objeto de vários estudos visando sua utilização como meio de controlar o desenvolvimento da acidez e mudanças de pH durante a estocagem resfriada de iogurte.
A lactoperoxidase também esta sendo estudada quanto à possibilidade de ser utilizada como conservante natural. É usada no tratamento de frutas, como as mangas, por exemplo.Em combinação com outros conservantes, a lactoperoxidase é usada como ingredientes em pasta de dente para combater cáries. Funciona muito bem em sinergia com a lactoferina e lisozima.
As enzimas para maturação de queijos
Como é o caso da maioria das boas idéias científicas, a transferência de tecnologia de processos para a fabricação de produtos exclusivos, muitas vezes, apresenta desafios imprevistos. E assim o foi para aqueles que tentaram colocar enzimas proteolíticas em queijo. A Figura 1 ilustra as etapas da fabricação de queijos de massa dura e semi-dura que podem ter pontos de adição de enzimas para o amadurecimento. Este esquema se aplica a qualquer enzima, mas as implicações do processo são mais graves no caso das proteinases, daí a ênfase.
FIGURA 1 - POSSÍVEIS PONTOS DE ADIÇÃO DE ENZIMAS DURANTE A FABRICAÇÃO DE QUEIJOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A adição de proteinase no queijo, para quebrar a caseína, é necessária em quantidades muito pequenas porque, assim como todas as enzimas, as proteinases são catalisadoras e uma pequena quantidade irá converter uma grande quantidade de substrato. Isso é bom do ponto de vista da eficiência de custos e da conversão, mas significa misturar gramas de enzimas ativas com toneladas de queijo.
Colocar uniformemente as enzimas na complexa matriz tridimensional que é o queijo já é, por si só, suficientemente difícil, mas o problema da distribuição das quantidades tão pequenas está longe de ser trivial.
A adição de enzimas no leite para fabricação de queijo no ponto a, como mostra a Figura 1, seria logisticamente ideal, pois nesse ponto também adiciona-se a cultura starter e o coalho, sendo tudo cuidadosamente misturado. No entanto, ao contrário dos outros componentes da receita, as proteinases de amadurecimento começam rapidamente a remover os peptídeos solúveis das caseínas. Esses peptídeos são perdidos no soro de leite quando a coalhada é separada, causando perdas inaceitáveis para a produção de queijo. Além disso, o colapso precoce das caseínas quebra sua estrutura ordenada, evitando a devida formação de gel, e tornando a coalhada macia e impraticável nos estágios posteriores da acidificação da coalhada, antes da salga e prensagem do queijo. Adicionando-se, ainda, a estes problemas a perda de enzimas adicionadas ao soro de leite (com uma taxa de cerca de 95%), fica claro que a adição de proteinases diretamente no leite não é uma opção. Se as preparações de peptidase fossem extremamente baratas, poderiam ser adicionadas nesse ponto, mas a maioria dos grandes fabricantes de queijo comercializa seu soro como concentrados para serem adicionados a diversos alimentos, devido a sua funcionalidade. Qualquer carga de enzima de amadurecimento deveria então ser retirada ou destruída, antes do soro de leite ser processado e comercializado.
A microencapsulação da enzima é a solução óbvia para o problema acima, para proteger as caseínas do leite e garantir o seu aprisionamento físico na matriz de gel da coalhada. As opções incluem amido, gordura ou cápsulas de gelatina, mas nenhum deles apresenta um mecanismo de liberação satisfatório no caso dos queijos.
Os queijos semi-duros Gouda e Edam são fabricados por um processo que inclui uma etapa de “lavagem” da coalhada, no qual a mesma é lavada em água quente, reduzindo a sua acidez e contribuindo para um queijo de sabor mais suave. Embora essa fase (ponto b na Figura 1), e o próprio ponto onde a coalhada é macia (ponto c) oferecem uma nova oportunidade para introduzir uniformemente enzimas na matriz do queijo, ambos criam problemas de amolecimento prematuro da coalhada, redução de produtividade/rendimento e perda de enzimas “não inclusas” na coalhada. Os queijos de coalhada lavada são salgados por salmoura e não por sal convencional, por isso poderia se pensar que o ponto c (veja Figura 1) seria um ótimo ponto de adição de enzimas; contudo, as pesquisas indicam que a penetração das enzimas em salmoura, na textura do queijo prensado, seria muito baixa, descartando assim este caminho, tornando o coalho de queijo lavado muito difícil de ser tratado com enzimas de amadurecimento.
Nas variedades de queijo salgados com sal seco, como o Cheddar, a adição de enzimas junto com o sal em coalhadas moídas (ponto d, imediatamente antes da prensagem para formar blocos de queijo) foi originalmente proposta para fabricação de queijos... em escala laboratorial. No entanto, esta técnica é difícil de ser adaptada aos equipamentos automatizados de salga em fábricas com produção de larga escala e, embora as enzimas pudessem ser granuladas e misturadas com o sal seco, trata-se de um processo caro para um ingrediente barato (sal), e por isto não é muito utilizado.
Como pôde ser observado, a área que envolve a tecnologia da adição de enzimas necessita de novas idéias. Por exemplo, há conhecimentos suficientes em enzimologia molecular aplicada para a elaboração de matrizes e materiais de apoio para a criação de micropartículas complexas de enzimas, que possam tanto liberar como metabolizar aminoácidos, ácidos graxos e açúcares para se obter os conhecidos compostos de sabor e aroma desejados. Tais conhecimentos já existem e são aplicados em outros setores, porém, no campo da maturação de queijo ou affinage como falam os técnicos franceses, ainda é a mãe natureza e o tempo que são os grandes atores nesse processo de amadurecimento.
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Queijo Enzimaticamente Modificado ou EMC (Enzyme-modified cheese)
Queijos enzimaticamente modificados não são realmente queijos do ponto de vista do consumidor do alimento. São ingredientes aromatizantes de queijos, utilizados em snacks, molhos, sopas e outros. Para a produção de queijo enzimaticamente modificado é necessário a escolha de enzimas apropriaads e sua aplicação sob condições ótimas de temperatura e pH. A maioria das pesquisas nesta área tem sido sobre as lipases. A escolha da lipase é crítica porque cada lipase tem uma especificidade para hidrólise, determinando assim o perfil de ácidos graxos livres em EMC. As lipases mais utilizadas são de origem microbiana. A maioria das lipases microbianas apresenta especificidade pela posição 1 ou 3 do triglicerídeo, onde os ácidos de cadeia curta são encontrados, que caracterizam os queijos naturais.
Com base nos resultados de um estudo sobre a contribuiçãoo da lipólise em alguns tipos de queijo enzimaticamente modificado (Enzyme-modified cheese technology. Journal of Dairy Science., v. 70, p. 1761-1769, 1987) conclui-se que o perfil ou intensidade do aroma foi proporcional ao grau de lipólise e liberação de ácidos de baixa massa molecular. Enquanto as lipases apresentam papel principal na determinação do aroma de muitos queijos, a atividade proteolítica é importante para contribuição do aroma em queijos duros, como o cheddar, segundo a classificação da literatura.
O EMC é geralmente feito a partir de pasta de queijos elaborada a partir de queijos do mesmo tipo. A matéria-prima para o fabricante de EMC é um queijo jovem duro ou semi-duro, cortes ou sobras de cortes, e/ou queijo de coalhada Cheddar, recém salgado. São misturados para homogeneização com sais fundentes e emulsificantes, até obtenção de uma pasta semi-líquida (40% a 45% de sólidos), pasteurizados por 10 minutos a 72ºC e, em seguida, resfriados por tratamento enzimático. A temperatura de incubação para o tratamento enzimático depende das reações de sabor que se deve usar para a fabricação do produto. Por exemplo, uma temperatura de 25ºC a 27ºC é apropriada para fabricar um produto com sabor de queijo faixa azul, a partir de um mofo de cultura Penicillium roqueforti, para crescer e metabolizar os ácidos graxos do leite em metilcetonas características. No entanto, é necessário um pré-tratamento da pasta a 40ºC ou 45ºC, com uma lipase, para gerar suficientes cadeias curtas e médias de ácidos graxos livre para o rápido desenvolvimento do sabor de queijo faixa azul.
Após o período de incubação, a enzima deve ser inativada para interromper a reação e garantir a estabilidade do aroma (Figura 2)
FIGURA 2 - PROCESSO DE PRODUÇÃO DE QUEIJO ENZIMATICAMENTE MODIFICADO ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Os emulsificantes e estabilizantes mais comuns utilizados na produção da EMC incluem mono- e diglicerídeos, fosfatos, ácido cítrico e goma xantana. Normalmente, os antioxidantes são adicionados na forma de óleos vegetais e vitaminas lipossolúveis (e.g. tocoferóis). Os sabores básicos gerados enzimaticamente podem ser complementados com compostos de aromas idênticos aos naturais de grau alimentício, como aldeídos, lactonas e álcoois, ou refinados por fermentação por culturas lácteas de bactérias lácticas e de mofos.
Os queijos enzimaticamente modificados aromatizados tipo Cheddar, Parmesão, Romano, Suíço e Gouda requerem um tratamento enzimático composto, utilizando lipases, proteases e peptidases, para desenvolver um equilíbrio entre as notas características de salgado, picante e lipolisada. A escolha da temperatura de incubação (ou temperaturas) é fundamental para o equilíbrio dessas notas de sabor, mas geralmente estão na faixa de 40ºC a 55ºC. Esse intervalo também é regido por um compromisso entre a necessidade de um período de incubação curto, de alta temperatura para a eficiência do processo e redução da deterioração microbiológica, por um lado, e a necessidade de evitar a temperatura de desnaturação das enzimas. Os produtores de EMC gostariam de ter enzimas microbianas mais robustas, que pudessem produzir os bioquímicos de sabor das matérias-primas em algumas horas e a temperaturas de até 70ºC. No entanto, isso poderia criar problemas de shelf life e utilização em função de uma atividade enzimática residual no produto. Atualmente, os produtos EMC são pasteurizados a 72ºC por 30 minutos, após a incubação da enzima, para destruir a atividade residual e eliminar os microrganismos de deterioração.
As EMCs podem ser liofilizadas ou acondicionadas em pasta com diferentes conteúdos de água, dependendo da preferência do cliente e da utilização de uso nos alimentos.
O uso de queijo enzimaticamente modificado pode resultar em economia nos custos de materia-prima, na formulação de alguns produtos uma economia superior a 50% da quantidade de queijo natural pode ser alcançada substituindo por uma pequena quantidade de queijo enzimaticamente modificado.
Lisozima
A lisozima é uma enzima descoberta pelo médico escocês descobridor da penicilina Alexander Fleming (1881-1955), em 1922. Sua estrutura tridimensional foi definida por David Chilton Phillips (1924-1999), em 1965, quando conseguiu uma imagem com uma resolução de 2 angstrom (200pm). Howard Florey (1898-1968) e Ernst B. Chain (1906-1979) também estudaram as lisozimas; embora não tiveram muito éxito nesse campo, trousseram bastante progresos no desenvolvimento da penicilina, completando o trabalho de Fleming.
A lisozima é uma proteína globular formada de residuos de aminoácidos (129 no ser humano) que pode ser encontrada em algumas secreções (lagrimas, saliva, leite materno, mucus …) e na clara de ovo. É também produzida pelas bactérias e por outros organismos. Ela digere certos carboidratos de alto peso molecular; assim as bactérias que contém esses carboidratos na estrutura de sua parede celular desintegram-se ou partem-se sob a ação da lisozima. A lisozima destrói o esqueleto glicosídico do peptideoglicano, ou seja, destrói a camada protetora de muitas bactérias.
A sua ação se deve à hidrólise das ligações glicosídicas beta 1,4 entre resíduos do ácido N-acetilmurâmico (Mur2Ac) e N-Acetil-D-glucosamina (GlcNAc) num pepitídeoglicano
A enzima usa um mecanismo de catálise covalente e catálise ácida geral, promovendo duas reações de deslocamento nucleofílicos sucessivos. Ela se liga a seis resíduos de Mur2Ac e GlcNAc que se alternam num peptídeoglicano típico de bactérias, como o PDP ID 1 LZE. A ligação clivada é aquela entre o 4º e 5º resíduos que foram ligados pela enzima. Existem dois mecanismos propostos para esta reação. O primeiro deles, proposto por Phillips e colegas, leva em consideração um mecanismo SN1, que atualmente não é mais aceito. O mecanismo mais aceito atualmente, proposto por Stephen Withers e colegas, leva em conta um mecanismo SN2. Neste mecanismo, o 4º e 5º resíduos entram no sítio ativo da enzima, e o aminoácido Asp52 da lisozima ataca o carbono anomérico do Mur2Ac. Este ataque libera o par de elétrons do carbono da GlcNAc, que se liga a um hidrogênio cedido pelo Glu35. Neste ataque, a ligação é clivada, e a GlcNAc (junto com o resto do peptídeoglicado ligado a ela) agora é liberada da enzima, que ainda está ligada covalentemente ao Mur2Ac. Esta ligação é quebrada com o ataque da água, que cede um -OH ao Mur2Ac e um H ao Glu35, restaurando a enzima e liberando o restante do peptídeoglicano.
As lisozimas comerciais de grau alimentício são oriundas da albumina do ovo.
A lisozima é usada pelos fabricantes de queijos como agente de controle de deterioração, defeitos texturais apresentando fissuras e burracos irregulares causados por fermentação butirica em variedades de queijos de massa dura e semi-dura, como gouda, grana padano, emmenthal, gruyère, danbo e outros. Tradicionalmente, esse defeito, causado por Clostridium tyrobutyricum no leite cru, tem sido controlado pela adição de nitrato de potassio. Mas, essa prática esta sendo eliminada por ser associada a produção de carcinogenos e, por isto, a lisozima tornou-se o agente de controle preferido. O Clostridium tyrobutyricum é um formador de esporos e, como tal, não pode ser eliminado por pasteurização, de lá a necessidade de tratar o leite por outros metodos. A lisozima mata as celulas vegetativas e também elimina o crescimento de esporos em queijo. Embora a lisozima iniba também as bactérias ácido-lácticas usadas como starters no processo de fabricação de queijos, elas são menos sensíveis que as bactérias Clostridium e uma dose de enzimas de 500 unidades/ml é suficientemente seletiva (as preparações comerciais de lisozima contêm cerca de 20.000 unidades/mg).
A lisozima também iniba o crescimento de Listeria monocytogenes em iogurtes e queijos frescos de alta acidez .
Transglutaminase
Com a disponibilidade de preparações de transglutaminase comerciais de origem microbiana (proteina-glutamina γ-glutamiltransferase; EC 2.3.2.13) ocorre um interesse crescente na sua aplicação com agente de galação de caseína e proteína de soro de leite, embora isto não seja uma tecnologia que já seja amplamente difundida. Mesmo assim, a transglutaminase é eficiente na redução da sinerese em géis de leite acido e também tem sida estudada como meio de melhorar a textura e shelf life de iogurte.
Lipase
Embora as lipases sejam utilizadas na tecnologia de produção de aromas de queijos, são também usadas para fabricar produtos de gordura láctea modificada para outras aplicações alimentícias.
Gordura de leite lipolisada (LMF, Lipolysed Milk Fat). A gordura de leite lipolisada possui aroma cremoso, de manteiga e de queijo, derivado dos ácidos graxos de cadeia curta a média e de derivados químicos de ácidos graxos liberados da gordura de leite por lipases. O substrato de matéria-prima para a fabricação de gordura de leite lipolisada é ou leite condensado ou óleo de manteiga emulsionado, para maximizar a área superficial da gordura para ativar a lipase. As lipases são adicionados e deixadas em contato com o substrato a temperatura ótima (para as enzimas utilizadas), até o sabor/aroma requeridos ser alcançado, ou até que um valor pré-determinado de grau de acidez seja atingido, correspondendo a uma liberação mensurável de ácidos graxos pela lipase.
O produto é pasteurizado, liofilizado (ou ajustado de outra forma para um teor de sólidos padrão) e embalado. Os produtos de gordura de leite lipolisada incluem coberturas de chocolate e xaropes, aromas de manteiga para margarina, cremes e molhos artificiais, flavorizantes para branqueadores de café e aditivos saborizantes de queijo.
O tipo de lipase utilizada na produção de LMF depende da aplicação alimentícia na qual se pretende usa-lo. Geralmente, bons produtos LMF para uso em produtos cozidos podem ser fabricados usando preparações a base de lipase pancreática, esterase pré-gástrica de cordeiro e cabrito, e fungos/mofo de lipases de Aspergillus niger, Geotrichum e Penicillium roqueforti. Algumas lipases bacterianas também são adequadas (Achromobacter lipolyticum e Pseudomonas), mas as LMF para uso em panificação não devem ser preparadas com lipases de Achromobacter, Penicillium ou Geotrichum, para evitar sabores ensaboado e mofo/bolor; as esterases pré-gástricas também produzem uma proporção demasiadamente elevada de ácido butírico para fabricação de pão, no qual tendem a produzir notas aromáticas de ranço.
Modificação intra- e intermolecular de gordura láctea por lipase catalisada. A interesterificação química, acidólise, alcoólise e transesterificação têm sido usadas por muitos anos para modificar as propriedades físicas/funcionais da gordura do leite, mas recentemente, a tecnologia usando as lipases tem substituído a tecnologia química, propiciando um processamento mais preciso e mais “limpo.
Em particular, substitutos de gordura do leite têm sido preparados como substitutos parciais da gordura do leite em alimentos para bebês. No entanto, o fracionamento da gordura por métodos físicos ainda é a opção comercial preferida para a modificação da gordura do leite em aplicações para produtos lácteos.
Lactase
A lactase em forma de tabletes (por exemplo, Lactaid®), mastigáveis ou não, é comercializada como um medicamento in vitro para a intolerância à lactose, uma condição generalizada causada por uma deficiência de lactase no trato digestivo, tendo como sintomas, cólicas abdominais, flatulência e diarréia, devido ao acúmulo de lactose no lúmen intestinal. Os tabletes de lactase da Lactaid® fornecem lactase ativa ao intestino para quebrar a lactose ingerida e aliviar os sintomas da intolerância.
O xarope hidrolisado de soro de leite é produzido a partir do soro de leite, subproduto da fabricação de queijos e produção de caseína. A etapa de hidrólise pode ser sobre o soro em si, ou sobre o permeado do processo de ultra filtração (UF), usado para fazer o concentrado protéico de soro. O permeado da UF ainda contém algumas proteínas do soro, mas é enriquecido com lactose. É concentrado com 15% a 20% de sólidos totais, desmineralizado, normalmente por troca iônica, através de eletrodiálise ou nanofiltração, sendo, então, aquecido em função do tipo de tratamento de lactase a ser utilizado. A etapa de hidrólise pode ser por enzima imobilizada em reator de coluna, utilizando lactase (Aspergillus Oryzae) . Os reatores com enzimas imobilizadas podem alcançar 90% de hidrolise de lactose, enquanto que o processo tradicional por lotes (yeast lactase) atinge apenas 70%. No entanto, ambos os processos produzem glicose livre e galactose suficiente para adoçar o produto, sendo essa propriedade alcançada pela evaporação do hidrolisado, a 60% de sólidos totais, para fabricação do xarope final. Um diagrama típico do fluxo desse processo é apresentado na Figura 3.
FIGURA 3 - APLICAÇÕES DE LACTASE NO PROCESSO DE HIDRÓLISE DA LACTOSE DO SORO ( VEJA NO PDF ABAIXO )
O xarope de soro de leite é viscoso devido à alta concentração de glicose e galactose, sendo comercializado e utilizado dessa forma. É usado na fabricação de alimentos para substituir o leite condensado, açúcar e leite desnatado em muitos produtos, como sorvetes, sobremesas lácteas e molhos. O xarope é também um excelente ingrediente caramelo, bem como adoçante/ligante em barras de cereais.