PECTINAS - ORIGEM, CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÃO INDUSTRIAL
As pectinas constituem um grupo de substâncias com expressivo interesse pela indústria de alimentos. São empregadas no preparo de geleias, doces de frutas, produtos de confeitaria e sucos de frutas, de acordo com suas propriedades geleificante, estabilizante e espessante.
Origem, história e legislação
A pectina é, provavelmente, a mais complexa macromolécula natural. É um heteropolissacarídeo contendo predominantemente resíduos de ácido galacturônico. Este polímero, do grupo das fibras dietéticas, é amplamente utilizado como geleificante e estabilizante na indústria de alimentos.
As primeiras citações sobre pectina datam de um artigo inglês de 1750 sobre preparação de geleia de maçãs. A descoberta da pectina, enquanto composto químico, foi feita por Nicolas Louis Vauquelin, em 1790, mas foi Henri Braconnot, no ano de 1824, o primeiro a caracterizá-la como composto das frutas responsável pela formação do gel e sugerir o nome pectina, proveniente do grego πηχτοζ, que significa espesso. A ocorrência de substâncias pécticas diferindo em solubilidade e facilidade de extração é conhecida desde 1848, quando foi reportada a existência de um precursor péctico insolúvel em água, denominado posteriormente de protopectina. Um estudo realizado em 1908, sobre a turbidez do suco de pera, concluiu que o sedimento observado no fermentado de pera compreendia um complexo de proteínas, pectinas e compostos fenólicos oxidados. Até meados de 1930, a pectina era considerada como uma pequena estrutura cíclica. Em 1923, foi sugerido que a pectina era um polímero complexo, comparável em estrutura ao amido, sendo que as análises de raios-x concordavam com essa hipótese, mas indicavam ser mais lógica a comparação com a celulose.
De acordo com pesquisas, os ácidos pectínicos apresentam grupos metiléster ligados em α(1→4), sendo que a fórmula básica foi estabelecida em 1937. Nessa época, já se discutia a dificuldade em estabelecer estudos comparativos quanto à composição, ao tipo e à distribuição dos compostos pécticos em vegetais, devido aos diferentes métodos de extração e análises empregados.
A obtenção de um extrato líquido de pectina foi registrada em 1908, na Alemanha, e o processo propagou-se rapidamente pelos Estados Unidos. A produção de pectina desenvolveu-se aos poucos, no início do século XX, na Europa e nos Estados Unidos, usando principalmente o bagaço de maçã. A primeira fábrica de pectina cítrica foi construída em 1926, na Califórnia, Estados Unidos.
O potencial de uso e aplicação do bagaço de maçã, subproduto até então descartado da produção do suco, foi descoberto na década de 1930 e, 10 anos mais tarde, cerca de 60% da pectina produzida no mundo era de bagaço cítrico, devido à abundância de matéria-prima gerada pela industrialização de sucos. A produção industrial brasileira teve início no ano de 1954.
A pectina foi avaliada e declarada como inofensiva do ponto de vista toxicológico, pelo JECFA (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives). Não foi estabelecida nenhuma IDA (Ingestão Diária Aceitável) para as pectinas e pectinas amidadas, o que significa que do ponto de vista toxicológico não existem limitações no uso de pectinas, nem de pectinas amidadas.
Em muitos países, as autoridades que regulamentam os aditivos alimentícios reconhecem a pectina como um valioso aditivo, inofensivo para a saúde. Quando regulamentado, os níveis de uso permitidos são geralmente em concordância com as Boas Práticas de Manufatura (GMP). A pectina é geralmente considerada um aditivo alimentício extremamente seguro e seu uso é reconhecido pelo Codex Alimentarius Internacional.
Nos Estados Unidos, a FDA reconhece as pectinas como GRAS (Generally Recognized As Safe). Na Comunidade Econômica Europeia, as pectinas e as pectinas amidadas também não possuem nenhuma IDA especificada.
No Brasil, a Secretária de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições legais e considerando que a pectina ocorre naturalmente em frutas, especialmente em frutas cítricas e maçãs, sendo, portanto, parte da dieta normal, tem seu uso permitido pela Legislação Brasileira com a função de coadjuvante de tecnologia para diversos tipos de produtos.
A pectina consta na lista positiva de aditivos alimentares Mercosul, com funções de espessante, estabilizante e gelificante, bem como na lista de aditivos para a categoria 3 - Gelados Comestíveis, Resolução GMC Nº 141/96 do Mercosul.
Da matéria-prima ao produto final
A pectina comercial é obtida a partir da extração com ácido do albedo de frutas cítricas (20% a 30% de pectina) e de polpa de maçã (10% a 15% de pectina).
As frutas possuem paredes celulares que contêm uma grande variedade de polissacarídeos. Os polissacarídeos são macromoléculas, polímeros constituídos de monossacarídeos unidos em longas cadeias. Muitos polissacarídeos são formas de armazenamento de açúcares. Nas plantas, o principal polissacarídeo estrutural é a celulose. Além dela, as paredes celulares contêm frequentemente dois outros tipos de polissacarídeos, as pectinas e as hemiceluloses. Os compostos pécticos são constituídos de resíduos de ácido a-galacturônico, o qual é um derivado da glicose. Os polímeros deste derivado de açúcar são conhecidos como ácido péctico. Os compostos pécticos se encontram por toda a lamela média, onde funcionam como agente de união entre as paredes celulares adjacentes. Existem três formas primárias da pectina: ácidos pécticos, pectinas e protopectinas. A estrutura dessas substâncias varia dependendo da fonte.
Os ácidos pécticos encontrados na lamela média e na parede celular primária são os polímeros, o menor das três formas. Os ácidos pécticos são solúveis em água, mas podem se tornar insolúveis se os grupos carboxila se combinarem com Ca++ ou Mg++ para formar sais.
As pectinas são geralmente maiores do que os ácidos pécticos e comumente encontradas dissolvidas nos sucos vegetais.
As protopectinas são de peso molecular maior do que as pectinas e intermediárias no grau de metilação entre as pectinas e os ácidos pécticos. São insolúveis em água quente e se encontram principalmente nas paredes celulares.
Estes compostos são empregados na indústria de tecelagem (linho); na medicina, como antidiarreico e contra a prisão de ventre; e em alimentos, onde a pectina de frutos é utilizada para geleias, compotas e doces, pois são estabilizadores de emulsões.
A pectina se obtém mediante custosas técnicas, sendo extraída de matérias-primas vegetais com alto conteúdo de pectina, como por exemplo, casca de limão e lima, uvas, laranja e maçã. Das diversas matérias-primas pode-se extrair muitas variedades de pectina e, desse extrato de pectina, pode-se obter industrialmente, através de diferentes procedimentos, uma pluridade de tipos de pectina com propriedades específicas.
As principais fontes são o bagaço da maçã e as cascas de frutas cítricas, mas também lamelas de beterrabas açucareiras, resíduos da produção de açúcar ou, até mesmo, as infrutescências de girassol. A pectina de girassol, por exemplo, apresenta um maior peso molecular e um menor grau de esterificação do que a pectina de beterraba; ambas são acetiladas.
As várias matérias-primas rendem diferentes quantidades de pectina extraível, conforme mostra a tabela abaixo.
TEOR DE PECTINA DE ALGUNS TECIDOS VEGETAIS
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OrigemPectina %
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Batata2,5
Tomate3,0
Maçã5,0 a 7,0
Beterraba15,0 a 20,0
Frutas cítricas30,0 a 35,0
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As pectinas cítricas são extraídas principalmente das peles do limão e da lima e, em menor proporção, de laranjas e grapefruits. Esse bagaço é um subproduto da extração do suco e do óleo essencial e contém um alto teor de pectina com as propriedades desejadas.
O bagaço da maçã, ou seja, o resíduo da extração do suco, é a matéria-prima utilizada para a produção de pectina comercial de maçã. São normalmente mais escuras (tonalidade marrom) do que as pectinas cítricas, mas as propriedades funcionais não apresentam diferenças essenciais.
A escolha da matéria-prima influi nas propriedades específicas do produto acabado. Assim, os critérios para a seleção desta matéria-prima são, por exemplo, as propriedades das protopectinas, seu peso molecular, o grau de esterificação com metanol ou ácido acético, respectivamente, ou o conteúdo em açúcar neutro.
Para chegar a determinadas características requeridas por aplicações específicas, os produtores podem misturar as matérias-primas para obter diversas qualidades de pectinas com características gelificantes específicas.
A produção industrial da pectina desenvolveu-se como uma indústria de subprodutos das indústrias alimentícias, utilizando principalmente resíduos das indústrias produtoras de sucos de frutas e bebidas à base de frutas. O processo de fabricação compreende três etapas essenciais e uma etapa opcional, sendo as etapas essenciais: extração do material da planta; purificação do extrato líquido; separação da pectina da solução; e desesterificação da pectina ATM (Alto Teor de Metoxilas ou alto grau de esterificação). A quarta operação somente é necessária quando se deseja obter como produto final uma pectina BTM (Baixo Teor de Metoxilas ou baixo grau de esterificação).
A extração da pectina se faz com água quente acidificada. A quantidade e qualidade da pectina extraída de uma matéria-prima específica dependem, em grande parte, da própria seleção e controle das condições de extração. O extrato é clarificado por centrifugação e passa por várias filtrações, sendo que o último passo é a filtração do polimento para assegurar a transparência.
A precipitação da pectina a partir da solução pode ser feita com álcool, quando a solução de pectina possuir concentração de 2% a 4%, ou com sal de alumínio, para as soluções diluídas em 0,3% a 0,5%. Quando a pectina estiver isolada como pectinato de alumínio, a precipitação deve ser seguida por uma lavagem com álcool acidificado para converter o pectinato de alumínio em forma ácida, com subsequente neutralização com álcool levemente alcalino.
A pectina obtida por esse processo é uma pectina ATM (Alto Teor de Metoxilas ou alto grau de esterificação), mais comumente chamada de HM, abreviação do inglês High Methoxylated. A força de gelatinização desse tipo de pectina depende, entre outros, do conteúdo em ácido, do tipo e quantidade de pectina e da massa seca solúvel que, em geral, deverá ser superior a 55%.
Para obter-se pectinas BTM (Baixo Teor de Metoxilas ou baixo grau de esterificação), em inglês LM (Low Methoxylated), é necessário proceder a uma desesterificação controlada da pectina ATM, seja em condições ácidas ou alcalinas. Quando se usa amônia para desesterificar a pectina ocorre a introdução de alguns grupos amida na molécula de pectina e, assim, obtém-se uma pectina amidada de baixa esterificação.
O processo de produção é composto de operações unitárias simples, porém requer know how na sua execução prática.
Características e mecanismos de gelificação
A estrutura básica de todas as moléculas de pectina consiste em uma cadeia linear de unidades α-D-ácido galacturônico. Monossacarídeos, principalmente L-ramnose, também estão presentes. Algumas pectinas contêm cadeias de arabinogalactanas ramificadas ou cadeias curtas, compostas de unidades de D-xilose na cadeia de ramnogalacturonoglicana. As unidades de ramnopiranosil geram irregularidades na estrutura e limitam o tamanho das zonas de junção, afetando a gelificação.
As pectinas comumente encontradas na natureza apresentam-se sob diversas formas, dentre as quais podemos citar as protopectinas, ácidos pectínicos e ácidos pécticos.
Nos tecidos dos frutos imaturos, as pectinas presentes são denominadas de protopectinas. Nesta condição, as protopectinas encontram-se ligadas ao cálcio das paredes celulares, formando o pectato de cálcio, o qual é insolúvel em água e tem a maior parte dos seus grupos carboxílicos esterificados. A protopectina é abundante em frutas verdes que já tenham atingido o pleno desenvolvimento. Durante o subsequente amadurecimento é hidrolisada para pectina, por ação de enzimas, e durante o apodrecimento ou o amadurecimento demasiado, a pectina pode ser decomposta e formar o álcool metílico e o ácido péctico.
Os ácidos pectínicos são obtidos a partir da hidrólise da protopectina pela ação das enzimas poligalacturonases (PG). São consideradas substâncias coloidais, não necessariamente solúveis em água e que contém uma proporção variável de grupos metoxilas na forma de ésteres. Os ácidos pectínicos aparecem nas plantas à medida que avança a sua maturação.
Os ácidos pécticos são oriundos da ação das enzimas pectinametilesterase (PME) durante o processo de amadurecimento, promovendo a remoção dos grupos metílicos dos polímeros e dando origem às substâncias pécticas que não formam gel.
O termo pectina é normalmente usado de forma genérica para designar preparações de galacturonoglicanas hidrossolúveis, com graus variáveis de éster metílico e de neutralização que são capazes de formar gel. Alguns dos grupos carboxila da pectina estão metilados, alguns estão na forma livre e outros na forma de sais de sódio, potássio ou amônio, mais frequentemente na forma de sódio.
As pectinas são subdivididas em função do grau de esterificação ou metoxilação: pectinas de alta esterificação (ATM) ou pectinas HM; pectinas de baixa esterificação (BTM) ou pectinas LM; e pectinas amidadas de baixa esterificação ou pectinas amidadas LM.
As pectinas com grau de metoxilação superior a 50% são denominadas pectinas com alto teor de metoxilas (ATM) e aquelas com grau de metoxilação inferior a 50% são as pectinas com baixo teor de metoxilas (BTM). Em ambos os casos, os grupos carboxilas remanescentes estão presentes como uma mistura na forma de ácidos livres (-COOH) e sais (-COO-Na+). O grau de amidação indica a porcentagem de grupos carboxilas na forma amida. Os graus de metoxilação e de amidação influenciam fortemente as propriedades funcionais, tais como solubilidade, capacidade de gelificação, temperatura e condições de gelificação das pectinas.
O tratamento da pectina com amônio dissolvido em metanol converte alguns dos grupos metoxila em grupos carboxila. Através desse processo são produzidas as pectinas amidadas com baixo teor de metoxila. As pectinas amidadas podem apresentar de 15% a 25% dos grupos carboxílicos na forma de grupos carboxiamidas.
Em meios ácidos fortes, as ligações glicosídicas da pectina são hidrolisadas e em meio alcalino a pectina é desmetoxilada.
A associação de cadeias de pectina leva a formação de uma estrutura tridimensional, ou seja, a construção de um gel. Trata-se de tramas largas de sequência regular, as quais se interrompem mediante a incorporação de ramnose e ramificações na cadeia. Duas ou mais tramas da cadeia se sobrepõem mutuamente e interagem reciprocamente.
A formação de um gel, estado onde o polímero é dissolvido completamente, é obtida através de fatores físicos ou químicos que tendem a diminuir a solubilidade da pectina, favorecendo a formação de cristalização local.
Um dos fatores mais importantes que influencia a solubilidade da pectina, ou seja, a tendência para a formação de gel é a temperatura. Ao esfriar uma solução quente que contém pectina, os movimentos térmicos das moléculas diminuem e a sua tendência à combinação em uma rede de gel aumenta. Qualquer sistema que contém pectina em condição potencial de gelificação tem uma temperatura limite acima da qual a gelificação nunca ocorrerá. Abaixo dessa temperatura crítica as pectinas BTM irão gelificar quase que instantaneamente, enquanto que a gelificação de pectinas do tipo ATM dependerá do fator tempo, ou seja, o tempo necessário para chegar-se à temperatura na qual a gelificação ocorre. Ao contrário das pectinas BTM, os géis formados por pectinas ATM são termorreversíveis.
As pectinas com teor de grupos metoxílicos superior a 70% são chamadas de pectinas rápidas, por gelificar a temperatura mais alta do que as pectinas de mais baixo teor de grupos metoxílicos.
Outro fator que influencia a solubilidade da pectina é o tipo de pectina utilizado. A distribuição global dos grupos hidrófilos e hidrofóbicos na molécula de pectina determina a solubilidade (tendência para gel) de uma pectina específica.
O grau de esterificação de uma pectina de éster influencia as propriedades de gelatinização.
O grupo éster é menos hidrofílico do que o grupo ácido e, consequentemente, uma pectina ATM com alto grau de esterificação gelifica a mais alta temperatura do que uma pectina ATM com menor grau de esterificação.
A solubilidade do sal de cálcio em pectinas totalmente desesterificadas (ácido poligalacturônico) é extremamente baixa e em pectinas BTM pode-se observar uma tendência semelhante para precipitação (formação de gel) na presença de íons de cálcio. A introdução de grupos amida na molécula de pectina BTM tende para que a pectina seja menos hidrófila, aumentando a tendência para formação de géis. Na prática, as pectinas amidadas de baixo grau de esterificação têm uma faixa de trabalho maior com relação ao conteúdo em cálcio e, com um grau de amidação maior, permitem trabalhar com temperatura de gelificação maiores.
O pH é outro fator de influência na solubilização. A pectina é um ácido com valor pK de aproximadamente 3,5, aumentando a relação entre os grupos ácidos dissociados e grupos ácidos não dissociados Assim, a tendência para formar géis aumenta fortemente diminuindo-se o pH do sistema. Isso é especialmente evidente nas pectinas ATM que, normalmente, requerem um pH abaixo de 3,5 para formar géis.
O açúcar e outros solúveis semelhantes também tem influência na solubilidade da pectina, pois tendem a desidratar as moléculas de pectina em solução. Quanto mais sólidos tiver, menos água será disponível para agir como solvente para a pectina e a tendência em cristalizar ou gelificar será, então, favorecida.
Acima de 85% dos sólidos solúveis, o efeito de desidratação é tão forte que dificilmente pode-se controlar a gelatinização de qualquer tipo de pectina comercial. As pectinas ATM formam géis em presença de sólidos solúveis da ordem de 55%. Para cada valor de sólidos solúveis acima dessa percentagem existe um valor de pH para o qual a gelificação é ótima e uma faixa de pH na qual a gelificação pode ser obtida, na prática. As pectinas do tipo BTM podem gelificar para qualquer nível de sólidos solúveis. A pectina de alto éster forma géis com sólidos solúveis até aproximadamente 55% para cada sólido solúvel.
A solubilidade da pectina também é influenciada pelos íons de cálcio. Diferente da pectina ATM, a pectina BTM forma géis na presença de cátions divalentes, como o cálcio. As pectinas BTM desmetoxiladas demandam uma quantidade razoavelmente alta de cálcio, dentro de limites bastante estreitos, para produzir um gel de consistência ótima. As pectinas BTM amidadas mostram maior flexibilidade neste aspecto. Para ambos os tipos de pectinas, um aumento na concentração de cálcio resultará em aumento na força do gel e temperatura de gelificação maior, até o ponto onde ocorre uma pré-gelatinização, ou seja, a temperatura de gelificação perto do ponto de ebulição.
Propriedades funcionais
No setor industrial, os polissacarídeos pécticos promovem aumento de viscosidade e funcionam como coloide estabilizante e protetor em alimentos e bebidas. Dentre outras propriedades estão a prevenção de flotação em preparados de frutas, a estabilidade de produtos de panificação, a estabilização proteica, a maciez a partir da melhoria da textura, o aumento do volume e o controle da sinérese.
Com relação aos efeitos farmacológicos da pectina, considera-se que no grande grupo das fibras dietéticas, integra o grupo dos polissacarídeos não amiláceos, juntamente com gomas, hemiceluloses, β-glucanas, entre outros. Embora esses compostos não sejam degradados por enzimas humanas, podem ser pela microbiota natural, especialmente durante a passagem pelo intestino grosso. Com implicações benéficas do equilíbrio hídrico e motilidade intestinal, as substâncias pécticas são inadequadamente denominadas de fibras solúveis, visto que em solução são encontradas sob a forma de dispersão coloidal.
Uma das características da capacidade de formação de géis pela pectina está relacionada à distribuição dos grupamentos ao longo da cadeia péctica e à composição das cadeias laterais. Com efeitos prebióticos, a cadeia péctica pode ser transformada em ácidos graxos de cadeia curta (acético, butírico e propiônico), bem como em dióxido de carbono, pela ação de bactérias produtoras de enzimas pectinolíticas dos gêneros Aerobacillus, Lactobacillus, Micrococcus e Enterococcus. Assim, a pectina apresenta fraca tendência laxativa e estimula o crescimento da microbiota no cólon.
Existem outras propriedades de promoção à saúde, comprovadas cientificamente, associadas às substâncias pécticas. Dentre essas, podem ser destacadas a redução do colesterol total pelo decréscimo da absorção do colesterol exógeno, em função do caráter hidrofóbico dos grupamentos metiléster; a ligação com produtos de degradação no cólon, aumento da excreção de ácidos biliares e redução da reabsorção de ácidos biliares no intestino e no fígado; a diminuição das frações popularmente conhecidas como mau colesterol (LDL) e, embora não altere o bom colesterol (HDL), também pode ser protetora contra a aterosclerose por melhorar a razão HDL/LDL; o aumento da viscosidade do liquor da digestão e da espessura da camada da parede intestinal interna, reduzindo a absorção de glucose; a redução do peso corporal pela imobilização de nutrientes nos intestinos, aumento da sensação de saciedade e diminuição da atividade de certas enzimas, que leva à menor digestão e absorção; e a ligação a metais pesados e a microorganismos tóxicos no cólon, impedindo a reabsorção das toxinas por estes produzidas.
Com relação aos possíveis efeitos negativos, há estudos indicando a ligação das pectinas de baixa metoxilação com cátions bivalentes, o que influenciaria negativamente a absorção de zinco. Isso, porém, é contraditório, visto que a degradação da pectina ocorre no cólon e esse mineral ainda pode ser absorvido nessa porção do intestino, após a hidrólise.
Aplicações industriais
Na indústria alimentícia, por ser um agente de gelificação, a pectina é usada para dar textura de geleia a produtos alimentícios. É usada nas indústrias processadoras de frutas, na produção de doces e confeitos, em confeitaria industrial, na indústria láctea, na indústria de bebidas e em comestíveis finos.
As pectinas são responsáveis, em grande parte, pelas propriedades atraentes das geleias de frutas: geleia lisa, sinérese mínima, superfície brilhante, boa untabilidade, distribuição homogênea das frutas e o gosto típico e naturalmente frutado. Os processadores procuram, particularmente, pectinas que permitem ligar de forma homogênea os pedaços de frutas, que facilitem o envasamento e que formem o gel a baixa temperatura. As geleias e compotas são preparadas à base de frutas ou de suco de frutas, de açúcar, de ácidos alimentícios e de pectinas. Para produtos com teor de açúcar com mais de 60% e pH de cerca de 3,0, as pectinas com alta esterificação (ATM) são as mais adequadas, na dosagem de 0,2% a 0,4%, oferecendo condições ótimas de gelificação. Em contrapartida, nos produtos com teor reduzido de açúcar, a melhor opção é utilizar pectinas do tipo BTM. As propriedades de textura e realçador do gosto natural das frutas fazem das pectinas, desde muito tempo, o ingrediente indissociável das geleias e compotas. Cerca de 80% da produção mundial de pectinas ATM é usada na fabricação de geleias e compotas.
No setor de confeitaria industrial as pectinas demonstram suas propriedades únicas e imprescindíveis. É neste tipo de preparação de frutas, resistentes ao cozimento, que mostram seus maiores trunfos. É graças as pectinas que a produção industrial de bolos e tortas de frutas, massas com leveduras ou biscoitos ocorre sem problemas. Os recheios, quase sempre fornecidos em lotes industriais, devem ter para o processo uma consistência elástica, pastosa, de fácil bombeamento e dosagem. As operações mecânicas, como o enchimento, não podem alterar a estrutura do gel, de forma indesejável. No caso de preparados de frutas resistentes ao calor, é conveniente assegurar uma temperatura de fusão elevada e uma perfeita estabilidade dimensional no forno para evitar qualquer deformação ou dessecação. Os produtos guardam, assim, na saída do forno, todo seu atrativo e gosto típico de frutas.
O nappage, chamado de cobertura, protege as frutas do ressecamento e confer aos produtos sua superfície brilhante. A textura dessas coberturas deve atender a exigências particularmente rígidas e é controlada com precisão graças ao uso de pectinas amidadas, estandardizadas sob medida para esse tipo de aplicação.
Em doces e confeitos as pectinas dão a textura elástica e estética, bem como fortalecem naturalmente o aroma da fruta e propiciam uma quebra lisa e brilhante. Para o confeiteiro é importante ter uma solubilidade excelente das pectinas e uma “regulagem” precisa no que tange a temperatura e tempo de gelificação. As aplicações das pectinas nesse setor são praticamente ilimitadas: pastas de frutas, molhos para sobremesas, recheios tenros e cremosos para bombons de chocolates e açúcar cozido, pastas para revestimentos, etc.
Nos iogurtes de frutas a pectina confere uma distribuição homogênea das frutas e uma bela superfície lisa. Nos iogurtes com frutas e geleias no fundo do pote é a pectina que assegura a estabilização necessária e, consequentemente, a separação entre frutas e iogurte.
Nos iogurtes de beber, as pectinas ATM protegem, em pH pouco elevado, as proteínas contra sua desnaturação na ocasião do tratamento térmico, impedindo assim qualquer precipitação ou floculação. Pode-se obter assim um produto estável com propriedades sensoriais ótimas, sem nenhuma perda de qualidade, mesmo após longo período de estocagem.
Como carboidratos pobres em calorias e devido a sua propriedade de estabilizar a polpa (ou turbidez) e a viscosidade, as pectinas são particularmente indicadas no preparo de bebidas refrescantes não alcoolizadas. Nessas, o teor de açúcares é total ou parcialmente substituído por diferentes edulcorantes ou associações dos mesmos e a perda de corpo inevitável é compensada pela pectina.
As pectinas são utilizadas, também, em comestíveis finos, onde sua adição em quantidades adequadas permite o controle do comportamento reológico de molhos finos, catchups, dips, chutneys e outros.
As pectinas também são usadas em aplicações não comestíveis, como produtos farmacêuticos e cosméticos. Sua habilidade para somar viscosidade e estabilizar emulsões possibilita o uso em suspensões em várias preparações farmacêuticas líquidas. Possui ainda efeito biológico, sendo um famoso antidiarréico. São apreciadas como agente de textura natural em cremes, unguentos e óleos e empregadas como estabilizante e espessante nas loções capilares, loções corporais e xampus. A pectina é uma substância não irritante em contato com a pele e, inclusive, já foram obtidos efeitos curativos e bactericidas em feridas.
Na indústria do tabaco são utilizadas como cola natural na fabricação de charutos e charutinhos.
* Márcia Fani, jornalista, editora da revista Aditivos & Ingredientes.